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Ministro do Meio Ambiente vai gerenciar aplicação de recursos de multas ambientais

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Ministro do Meio Ambiente vai gerenciar aplicação de recursos de multas ambientais
Rio Taquari sofre processo de assoreamento devido ao aumento da atividade agropecuária em Mato Grosso desde a década de 70. A bacia seria alvo do chamamento público do programa de conversão de multas / Crédito: Ubirajara Pires/Ibama

Enquanto a atenção do povo brasileiro estava voltada para o derramamento de óleo no nordeste, o governo publicou, no dia 17 de outubro, a Medida Provisória 900/2019. Ela altera drasticamente as regras sobre como as infrações ambientais serão cobradas e destinadas no país, e garante autonomia total ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para decidir como e onde os recursos serão utilizados.

A MP autoriza o governo a criar, sem licitação, um fundo privado para operar o dinheiro da conversão de multas. Os recursos podem chegar a R$ 15 bilhões considerando o passivo de multas não pagas acumuladas nos órgãos ambientais. O valor é 25 vezes maior do que o orçamento divulgado pelo governo para todo o Ministério do Meio Ambiente para 2020 – R$ 561,6 milhões.

Desmonte

Este é mais um passo do governo para reformular o modo como as multas ambientais são aplicadas e cobradas no país. Em abril deste ano, o Decreto nº 9.760 criou os “núcleos de conciliação” que, na prática, funcionam como mais uma instância para o infrator recorrer. A expectativa do MMA era que os núcleos começassem a funcionar ainda em outubro, então o governo se apressou em publicar a Medida Provisória 900 para criação de um fundo para recebimento desses recursos bilionários de multas.

O decreto também suspendeu a conversão indireta de multas ambientais, criada em 2017 pela ex-presidente do Ibama, Suely Araújo. O objetivo era canalizar os recursos das multas em projetos de grande escala, voltados principalmente para as prioridades do Brasil a partir do Acordo de Paris e da Convenção da Diversidade Biológica. “Sem extinguir a modalidade direta, em que o próprio infrator realiza o serviço, criamos uma modalidade em que o autuado opta por ficar responsável por uma cota de projetos maiores e estruturantes, recebendo um desconto de 60% no valor da sanção”, explicou Araújo. O interesse demonstrado por parte dos infratores ambientais e o número de projetos inscritos na chamada pública para receber verbas na primeira etapa comprovaram para técnicos e especialistas que a experiência estava sendo bem-sucedida. Porém, o cenário mudou quando o novo governo assumiu.

Brechas

Pelas normas vigentes até início deste ano, os recursos advindos das infrações caíam diretamente em uma “conta garantia” na Caixa Econômica Federal em nome do projeto, com valores depositados em etapas, à luz do cumprimento de metas. No caso da MP 900, o texto determina apenas que “fica a União, por intermédio do Ministério do Meio Ambiente, autorizada a contratar instituição financeira oficial, dispensada a licitação, para criar e gerir fundo privado com o objetivo de receber os recursos decorrentes da conversão de multa”.

O processo de seleção de projetos também foi modificado pela MP. A legislação anterior previa que o órgão federal emissor da multa definisse as diretrizes e critérios para escolha dos projetos com participação da Câmara Consultiva Nacional. Caberia à Câmara opinar a respeito de temas e áreas prioritárias a serem beneficiadas com os serviços decorrentes da conversão de multas e estratégias de monitoramento. Já a MP 900 estabelece somente que “as diretrizes de gestão e destinação dos recursos e as definições quanto aos serviços a serem executados serão estabelecidas em ato do Ministro de Estado do Meio Ambiente”, ou seja, Salles vai decidir onde e como o dinheiro será aplicado.

A situação se agrava levando em consideração que o Artigo 140, Incisos VII e VIII, do Decreto 9.760, prevê que os recursos de multas podem ser convertidos, respectivamente, em “promoção da regularização fundiária de unidades de conservação” e “saneamento básico”, entre outros. Isto é, o recurso da multa por desmatamento de floresta pode ser usado para indenizar proprietários rurais e realizar obras.

“A exclusão da Câmara Consultiva Nacional e dos órgãos técnicos de apoio do governo, Ibama e ICMBio, no processo de escolha dos projetos e gestão do fundo de conversão de multas demonstra, além do autoritarismo do governo, a total falta de caráter técnico na tomada de decisões”, afirmou Lígia Vial, assessora jurídica da Amda. Ela ressalta que é fundamental assegurar que a aplicação dos recursos seja baseada em parâmetros e planejamento técnico. “E a participação desses órgãos, da comunidade cientifica e da sociedade civil é essencial nesse processo. Não pode ser um ato autoritário do Ministro do Meio Ambiente”, completou.

Outro aspecto da conversão indireta que foi excluído com a MP 900 é o educativo. Antes, ao pagar a multa com 60% de desconto, o autuado era obrigado a acompanhar, junto com o Ibama, a execução do projeto beneficiado a fim de garantir o ganho ambiental para, assim, se livrar do passivo, nos moldes como são feitos os Termos de Ajustamento de Conduta do Ministério Público Federal, por exemplo. A medida provisória, entretanto, isenta o infrator de “qualquer responsabilidade relacionada aos serviços a serem executados”.

Tramitação

Segundo reportagem do portal O Eco, até o último dia 25 de outubro a MP já tinha recebido 94 emendas parlamentares. Entre elas, várias acrescentando critérios e visando recuperar regras do modelo anterior, como estabelecimento de órgão colegiado para definição de temas e territórios prioritários, tipos de projetos que podem receber recursos, exclusão de artigo que retira do infrator a obrigação do acompanhamento do projeto de recuperação. Algumas das emendas, inclusive, são cópias da lei anteriormente em vigor.

O deputado federal Nilto Tatto (PT) propôs seis emendas com objetivo de reduzir o poder centralizador da medida provisória. “[A MP 900] Dá a liberdade para o ministro fazer qualquer tipo de utilização dos recursos sem os critérios que têm que existir quando se trata da gestão dos recursos públicos. Essa MP, na forma como foi enviada, reflete esse pensamento de falta de transparência, de falta de controle social, que é o pensamento do governo Bolsonaro. As emendas que fizemos vão no sentido de tentarmos garantir o que é conquista da sociedade brasileira do ponto de vista da transparência, da gestão, e definir melhor a utilização desses recursos”, afirmou.

A MP aguarda instalação da Comissão Mista no Senado para apreciação das emendas apresentadas e emissão de parecer sobre a matéria.