Crise climática e nova economia
*Tatiana Roque
O potencial do Brasil é imenso para participar dos debates globais para um Novo Acordo Verde.
O ideograma chinês para “crise”, que contém as ideias de perigo e oportunidade, é sempre citado quando precisamos enxergar perspectivas em momentos difíceis. Contudo, para que novos caminhos se abram após crises tão graves — a econômica e a sanitária —, um bom plano é necessário, além de pessoas capazes de realizá-lo.
O New Deal (Novo Acordo) foi um exemplo bem-sucedido. O plano de recuperação econômica liderado pelo então presidente americano, Franklin Roosevelt, investiu em industrialização, serviços públicos, obras e criação de empregos; e o que era uma Grande Depressão foi transformado em desenvolvimento econômico e social.
Essa é a lição por trás dos projetos de Novo Acordo Verde (Green New Deal) que circulam nos debates internacionais. A crise climática não precisa ser um fardo; e reduzir a emissão de gases de efeito estufa pode ser a chance de uma nova economia.
Reduzir e trocar os combustíveis usados nos transportes (que devem ser mais coletivos), incentivar uma economia circular, adaptar os edifícios e a agricultura são exemplos de propostas citadas em documentos da ONU e da União Europeia. Versões mais ambiciosas, com foco no social, circularam na campanha de Bernie Sanders para a Presidência dos Estados Unidos (parte delas encampada por Joe Biden).
A meta de zero emissão líquida de carbono, com que diversos países vêm se comprometendo, implica garantir que toda a eletricidade seja produzida por fontes limpas. Nessa transição, a infraestrutura das cidades deverá ser adequada a novas fontes de energia.
Essa empreitada tem o potencial de gerar milhões de empregos, reduzindo as desigualdades e promovendo maior justiça social. Os serviços públicos, como educação e saúde, têm de ser priorizados, e os planos para uma economia verde devem se guiar pelo bem-estar social.
Investimentos públicos e planejamento estatal serão fundamentais na priorização de setores estratégicos, o que poderia ser um aspecto polêmico. No entanto, o papel do Estado no controle da pandemia ficou evidente, com enormes pacotes de investimento tendo sido necessários para conter as perdas econômicas, garantir políticas de saúde e amparar os mais pobres.
Essa experiência pode mudar consensos estabelecidos e reforçar a percepção de que vivemos um momento singular; logo, as respostas devem ser ousadas.
As ideias de desenvolvimento econômico e preservação ambiental não são antagônicas, muito pelo contrário. As mudanças climáticas devem orientar planos econômicos baseados em medidas de mitigação e adaptação, que demandam forte participação do poder público.
No Brasil, a crise hídrica que se anuncia exigirá mudanças na matriz energética; e o setor de petróleo deve investir seus rendimentos nessa transição. Temos grande potencial em fontes de energia valorizadas atualmente, como eólica, solar e hidrogênio verde.
Além disso, a restauração de nossas florestas pode ajudar a absorver o excesso de carbono da atmosfera. Um grupo de economistas da UFRJ formulou um Green New Deal para o Brasil, calculando custos e impactos macroeconômicos e ambientais do plano.
Eles indicam fontes de financiamento factíveis e mostram que os retornos são vantajosos, não apenas do ponto de vista social e ambiental, mas também pela dinamização produtiva provocada, criando empregos e atraindo investimentos.
Projetos existem, e o potencial do Brasil é imenso para participar ativa e altivamente dos debates globais para um Novo Acordo Verde. Para isso, precisamos nos libertar logo das forças conservadoras que querem nos deixar presos ao passado e à devastação ambiental. A preparação de um futuro possível pede pressa.
*Tatiana Roque é Coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ
Fonte: Jornal Estado de Minas