Opinião

A vida não é peça de museu

O bicho está pegando: se a gente continuar maltratando a Terra, a sexta grande extinção em massa vai passar o rodo. Periga até sobrar para o bicho-homem. As cinco primeiras foram causadas por fenômenos naturais. O próprio ser humano quase foi dessa pra melhor há 900 mil anos – restaram só 1.280 indivíduos, segundo uma pesquisa publicada na “Nature Communications”. O motivo? Mudanças climáticas. A diferença é que daquela vez não tínhamos culpa e, hoje, as evidências apontam para nós. A boa notícia é que ainda dá tempo de impedir que a vida seja peça de museu.

É bom lembrar que a mocinha desse filme-catástrofe é brasileira: a Amazônia, que guarda a maior biodiversidade do mundo, cerca de 10% de todas as espécies de animais e plantas conhecidas. Cabe a nós salvá-la. A União Internacional para a Conservação da Natureza aponta que 28% das espécies da Terra correm o risco de sumirem do mapa. Em 2019, foi declarado que o Melomys rubicola se foi para sempre. O roedor era endêmico de uma ilhota na Austrália, que submergiu com o aumento do nível do mar; ou seja, foi o primeiro mamífero extinto por causa das alterações no clima causadas pelo homem

Em janeiro deste ano, a Universidade Charles Darwin anunciou que a arraia Java stingaree foi o primeiro peixe a desaparecer da face da Terra por culpa nossa, devido à pesca predatória. Um estudo publicado na revista científica Nature Communications diz que somos responsáveis por levar 1.500 espécies de aves à extinção nos últimos 126 mil anos; já a revista indiana científica “Down to Earth” calcula que, de 1500 a 2022, 73 vertebrados desapareceram. A velocidade das extinções está 35 vezes maior: a Academia Nacional de Ciências dos EUA concluiu que, se não fosse o homem, espécies que sumiram nos últimos cinco séculos continuariam a existir por mais 18 mil anos. Qual é a tua, bicho-homem?

E o Brasil, como fica? O mundo acredita que podemos salvar o planeta – só de Fundo Amazônia, o país tem em caixa R$ 3 bilhões, e o Japão acabou de se juntar ao clube. Lamentavelmente, não estamos fazendo jus a essa confiança. Mais uma vez, abraçamos uma política desenvolvimentista irresponsável, que pode reduzir drasticamente a biodiversidade do bioma mais rico do mundo.

Segundo o IBGE, o Brasil tem 20% de espécies de animais e plantas ameaçadas, das mais de 21 mil examinadas. O desmatamento, a caça e pesca ilegais, a crise climática, a poluição do ar, do mar e dos rios, e o uso excessivo de agrotóxicos são as causas mais evidentes, mas há uma menos óbvia: a morte de animais atropelados em rodovias e ferrovias que cortam áreas protegidas. 

Na BR-262, que liga Espírito Santo a Mato Grosso do Sul, morrem mais de 2 mil animais todos os anos, entre lobos-guará, antas e cachorros-do-mato. O Brasil também é o segundo país com mais acidentes envolvendo atropelamento de primatas em estradas. E só na Estrada de Ferro Carajás, na Amazônia, morrem 10 mil sapos-cururu por ano. Junto com as abelhas, os anfíbios são os bichos mais importantes para a nossa sobrevivência. E mais de 40% de rãs e sapos estão ameaçados. Existem mais de 8.400 espécies, sendo que 1.188 são brasileiras. Sem eles, o número de insetos transmissores de doenças vai aumentar exponencialmente. Não haverá vacina contra dengue que dê jeito. 

Já 75% das culturas agrícolas dependem de animais polinizadores. Enquanto isso, 35% das abelhas e borboletas e 17% dos morcegos correm o risco de desaparecer. As abelhas são vítimas, principalmente, da destruição de seus habitats, das mudanças climáticas e do uso de pesticidas pelo agronegócio. 

Não é tão complicado assim resolver esses problemas: basta parar de desmatar e de usar agrotóxicos proibidos no resto do mundo e planejar com mais cuidado obras de infraestrutura, construindo travessias para animais nas estradas.

Mas o que faz o Congresso brasileiro? Nos empurra o PL do Veneno, que flexibiliza ainda mais o uso de agrotóxicos, e quer fazer passar o PL da Devastação, que trata do licenciamento ambiental e, na prática, libera geral. Asfaltar uma BR-319 ou construir uma Ferrogrão não causa apenas danos diretos ao meio ambiente, também serve de entrada para as espécies invasoras mais perigosas: madeireiros ilegais, grileiros, garimpeiros e outros criminosos.

Geralmente, a mocinha é salva no final nesse gênero cinematográfico. Mas o Brasil vai trocar o papel de herói da fita pelo de vilão? Com que cara o país vai sair na foto da COP-30, em Belém? Este ano tem eleições municipais: votemos em candidatos comprometidos com a vida, e não contra ela. Ou nosso filme, que já anda queimado, pode virar cinzas. 

Fonte: Uma gota no oceano