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Opinião

“Bancada do boi” morde mais um pedaço da lei e da vida

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*Dalce Ricas

No dia 20.03, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou o PL 364/19, por 38 votos a favor e 18 contra, que revoga proteção legal dos campos de altitude, ecossistemas associados ao bioma Mata Atlântica. Os deputados que votaram pela aprovação, não tiveram sequer a decência de justificar tecnicamente o PL ou ouvir a comunidade acadêmica. Seu argumento é que a proteção legal prejudica o setor agropecuário. Pronto e acabou. São donos da vida.

Uma versão do PL, menos danosa, havia sido articulada entre alguns parlamentares e ONGs, mas não foi pautada. O PL aprovado considera como “uso consolidado” qualquer área de campo no país, independente de seu valor ambiental.  O batido argumento de que é preciso “segurança jurídica” para criadores de gado usado pelos deputados só trará mais carga para o sistema judiciário, pois choverão ações judiciais contra ele, por contrariar princípios constitucionais.  

Os campos rupestres de Minas, além de abrigarem espécies vegetais e animais endêmicas (que só existem aqui), são magníficos componentes das paisagens mineiras, pela beleza e diversidade dos ambientes que abrigam. Em suas grotas e baixadas nascem as Mata de Galeria, manchas de Mata Atlântica, que são refúgio e locais de alimentação para a fauna, principalmente na estação seca. Durante anos a criação de gado extensiva foi altamente impactante a esses ecossistemas. Bovinos e equinos não comem o capim nativo adulto. Para forçar sua rebrota e conseguir “capim novo”, os criadores anualmente queimavam e ainda queimam os campos, o que foi literalmente um arraso sobre a biodiversidade.

Isto aconteceu bem pertinho de BH, no Parque do Rola Moça. O fogo destruiu e extinguiu espécies de sua flora e fauna, e acabou com Matas de Galeria. Segundo estudos da UFMG, 43% delas foram mortas. Após a criação do Parque, proibição de apascentamento de animais e combate aos incêndios, a recuperação é visível, inclusive com retorno de animais silvestres.  Se o parque não tivesse sido criado, sua área hoje seria um deserto, cheio de carrapatos. 

Segundo nota técnica da Fundação SOS Mata Atlântica, 50% do Pantanal (7,4 milhões de hectares), 32% dos Pampas (6,3 milhões de hectares), 07% do Cerrado (13,9 milhões de hectares), e 15 milhões de hectares na Amazônia serão atingidos pelo antiecológico PL.

Os deputados que votaram pela aprovação do PL não estão abrindo portas somente para mais degradação ambiental, mas também para prejudicar gravemente o turismo, populações tradicionais coletoras e exterminar plantas e animais que nem são conhecidas da ciência. Parece que a “bancada do boi” na Câmara não desistirá enquanto houver um ambiente natural no país que possa ser ocupado com gado.

*Dalce Ricas é superintendente executiva da Amda.