Incêndios na Europa: tragédias anunciadas?
*Sueli Vasconcelos
Aquecimento global favorece ondas de calor; incêndios recentes ocorridos na Europa, que já destruíram, em 2022, área superior à registrada em todo o ano de 2021.
As temperaturas extremas registradas na Europa nos últimos meses estão acompanhadas de grandes infortúnios, com destaque para os incêndios que afetam boa parte do continente, principalmente, na porção meridional (sul). Os recordes térmicos sucessivos favorecem a ocorrência desses eventos.
A região sul europeia é caracterizada pelo clima mediterrâneo, com índices pluviométricos médios em torno de 750 mm, precipitados, normalmente, durante o inverno. Os verões são secos e quentes.
Além das características climáticas atípicas, pois espera-se verões úmidos, a vegetação Mediterrânea ou o Chaparral (como é chamada na Califórnia/Estados Unidos), tem a cobertura original profundamente alterada pelas atividades humanas ao longo do tempo.
Essa vegetação é de porte herbáceo-arbustivo predominante, com áreas florestadas secundárias (a vegetação primitiva foi totalmente modificada pelo homem), um pouco mais densas, denominadas Maquis, em contraposição aos Garrigues, formados por vegetação mais aberta, arbustiva, relativamente espaçada entre si.Ambas são bastante inflamáveis.
Para uma cobertura vegetal incendiar, é necessária a conjunção de três fatores principais:
– um clima mais quente e de baixa umidade;
– uma vegetação com componentes ricos em elementos que favorecem a combustão (como cipós, ciprestes, folhas, galhos abundantes sobre o solo);
– além de uma densidade demográfica mais expressiva, como explicam os analistas.
De modo geral, as causas antrópicas são responsáveis em 90% pelo início dos incêndios (cigarros jogados descuidadamente, churrasqueiras mal apagadas, fragmentos de vidro espalhados etc.). As causas naturais ocorrem em torno de 10% dos casos.
Todavia, os incêndios mais devastadores (que correspondem a 5% do total, mas que representam 75% da área queimada), estão associados aos períodos mais quentes, que formam, na maioria dos casos, centros de baixa pressão atmosférica, no sul europeu, e atraem os anticiclones do norte, marcados por ventos mais frios e secos (como o famoso vento Mistral), propícios aos incêndios catastróficos.
A urbanização também exerce papel importante na intensificação desses fenômenos, cada vez mais destruidores. As construções, com amplos jardins ornamentais, espalham-se de forma difusa pelas matas, favorecendo a rápida propagação do fogo.
A redução da população rural, com a migração para as cidades, também é preocupante. Há menos pessoas no campo para combater os focos de incêndios, que se alastram rapidamente, tornando-se quase incontroláveis.
Os campos de outrora foram ocupados pela agricultura e muitos foram substituídos por outras atividades. Conjugados, esses elementos desempenham um papel fundamental na propagação do fogo.
As mudanças climáticas, definidas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da ONU, em seu artigo 1º como “mudanças no clima que são atribuídas direta ou indiretamente à atividade humana, que altera a composição da atmosfera global e que se somam a variabilidade climática natural observada em períodos de tempo comparáveis”, exercem papel bastante singular em todos esses eventos.
Os anos anteriores (2017, 2019, 2020, 2021) registraram recordes sucessivos de altas temperaturas globais. Os incêndios devastaram vasta extensões de outras áreas do mundo, como a Sibéria Russa, Austrália e Califórnia, nos EUA.
Com as médias térmicas mais elevadas e aridez mais severa, a vegetação seca prontamente, pois há menos reservas de água no subsolo, colaborando para esses cenários de terras ardidas pelo fogo.
Os cientistas percebem desde 1980 episódios de altas temperaturas cada vez mais frequentes e mais duradouros. É importante não esquecer a onda de calor europeu de 2003 e as tragédias causadas (somente na França mais de 14.800 pessoas morreram, a maioria idosos; na Itália, foram mais de 20 mil!), que chocaram o mundo.
No ano anterior (2002), a África Subsaariana registrou índices assustadores; mas, como esperado, o mundo ficou menos sensibilizado. Para muitos, era só mais do mesmo.
O aquecimento climático aumenta a probabilidade de ondas de calor e secas e, por extensão, de incêndios. Essas temperaturas mais elevadas acentuam a evapotranspiração das plantas. À medida que a vegetação fica mais seca, torna-se mais suscetível ao desenvolvimento das queimadas.
Dados preliminares, divulgados em 2021 pelo IPCC, são desanimadores. Segundo o órgão, o Mediterrâneo é um dos pontos quentes da Terra. Espera-se um aumento contínuo das temperaturas na região, mais acentuadamente do que em outras áreas do mundo. Os efeitos sobre a agricultura, a pesca e o turismo serão notáveis.
A escassez de água e o perigo de inundações e ondas de calor, com risco de vida, afetarão milhões de habitantes nas próximas décadas. Os dados são quase apocalípticos.
Os megaincêndios pareciam incomuns para o seleto grupo de países desenvolvidos. Não mais! Estão tornando-se cada vez mais regulares. Até algum tempo atrás, o imaginário dos incêndios devastadores era habitual nos países mais pobres, sem os recursos necessários para combatê-los. Ledo engano! Esses eventos estão cada vez mais no cotidiano das nações mais abastadas do planeta, com efeitos semelhantes ou até mais drásticos.
De acordo com o jornal francês Le Monde, na Europa, desde a criação, em 2000, do Sistema de Informação sobre Incêndios, o ano de 2021 foi o mais arrasador, com mais de um milhão de hectares consumidos pelas labaredas colossais. 2017 havia sido o pior ano, desde então, com 500 mil hectares de área consumida pelas chamas somente em Portugal, onde 118 vidas foram perdidas.
Os europeus buscam meios científicos de controlar os efeitos do fogo. Sabem que esses cenários se repetirão nos anos a seguir. Os alertas são globais, não exclusivos do velho continente, que precisa se adaptar às novas realidades, por mais duras que sejam. Ignorá-las não mais!
*Sueli Vasconcelos é professora de Geografia Socioambiental e Geopolítica.
Fonte: Estado de Minas