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Opinião
Conferência da Floresta leva jovens europeus para o coração da Amazônia dias antes da COP
*Amelia Gonzalez
Saem os ternos e gravatas, entram roupas leves, bermudas e camisetas, com câmeras na mão só para registrar momentos mais marcantes. Porque caminhar na floresta exige muita atenção. Tem que fazer contato com o lugar onde se anda para evitar riscos reais, não imaginários. E sob todas as formas.
Está sendo assim a Conferência das Florestas, denominação dada à reunião que está acontecendo agora, no coração da Amazônia, no Xingu, convocada não pelas Nações Unidas, mas por uma organização que atua na região há anos, o Instituto Socioambiental (ISA).
Os participantes desta Conferência, que em tudo se diferencia da reunião dos líderes globais, são ativistas ambientais da “Extinction Rebellion”, formada por jovens europeus que convocam mudanças para se enfrentar as questões “socioecoambientais” que têm tornado inviável a vida de muitos humanos. E acontece poucos dias antes da COP25, convocada pelas Nações Unidas, no mês que vem em Madri.
Conversei por telefone com Rodrigo Junqueira, do Conselho de Gestão Estratégica do ISA, que enfatizou a ideia de que o evento tem como objetivo aproximar essa juventude – que está nas ruas dos grandes centros manifestando-se e muito preocupada com o clima – da realidade da Amazônia:
“Convidamos não só os jovens, mas também grandes pesquisadores que ficam discutindo a questão da emergência, para – e aí, neste caso, um debate prévio à COP. Queremos conversar, trocar, dentro da realidade de quais são as questões que estão sendo vividas lá, com atores que vivem lá, com as lideranças indígenas, com as lideranças extrativistas. Acreditamos neste debate, nesta construção ocorrendo dentro da floresta, inspirado por essa vivência mais do dia a dia, olho no olho. É diferente do que fazem em São Paulo, nas grandes capitais. E isso pode inspirar, alimentar essas proposições, que sejam mais objetivas e que dialoguem mais efetivamente com a realidade da Amazônia. E não algo que é passível de muitas críticas – inclusive aí da turma que acha que está sendo internacionalizada a Amazônia – com ideias e sugestões que não vêm de quem está com o pé no chão”, disse Rodrigo Junqueira.
A ideia é ouvir não apenas os cientistas, como quer a jovem sueca Greta Thunberg e tantos outros ativistas preocupados com a estagnação da retórica sobre as mudanças climáticas. Mas ouvir também quem mais entende de preservar a floresta, porque dela dependem, os indígenas. Neste sentido, vi com muita simpatia o movimento, que soa como um refresco para os ouvidos cansados de seguir acordos e tratados dos líderes mundiais que pouco se aplicam na prática.
A história desta conferência-pé-no-chão é contada em reportagem do britânico “The Guardian” pelo jornalista Jonathan Watts, que acompanha a expedição.
Trata-se de uma reunião intergeracional, internacional e interdisciplinar, acompanhada também por cientistas como Antonio Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Ouvido pela reportagem, Nobre pontuou uma preocupação recorrente: “O superbioma Terra sobreviveu por 50 milhões de anos, apesar das erupções vulcânicas, eras glaciais, meteoros e deriva continental, mas foi ameaçado como nunca antes nos últimos 50 anos de atividade humana”.
Assim sendo, acrescenta ele, o que se tem a fazer é ouvir os ensinamentos dos povos que estão por aqui há mais tempo, e aprender com eles como enfrentar o grande desafio que a própria humanidade tem criado para si por conta, entre outras coisas, da industrialização excessiva. Como combater o fogo na floresta, por exemplo.
Num vídeo feito pelo próprio Instituto, disponível na internet, os índios da tribo Ikpeng ensinam como conseguiram se adaptar à necessidade de usar o fogo de forma a não causar queimadas desde que, em 2010, foram vítimas de um grande incêndio em suas terras.
A questão foi enfrentada. No tempo em que a floresta era úmida, o fogo não se espalhava. Agora, com o tempo seco, consequência das mudanças do clima, é preciso ter muito cuidado. Várias providências foram tomadas, incluindo a substituição do sapê, altamente inflamável, no telhado das casas. Agora eles usam folhas da palmeira Inajá, menos vulnerável ao fogo. E, quando precisam fazer queimadas para limpar um terreno para a produção agrícola, tomam cuidado de cercar o pedaço, limpar em volta, tirar o sapê antes de atear o fogo. No final, jogam água e só abandonam a área quando não há mais nem vestígio de chamas.
É assim que se faz, é assim que se aprende. Os ativistas europeus que estão vivenciando esta prática também cruzaram o Atlântico em barcos a vela, como fez Greta Thunberg quando saiu de sua fria Suécia e foi para o Chile, onde estava marcado para acontecer a COP25. (Por conta das manifestações de rua contra o regime neoliberal, a Conferência não aconteceu, a Espanha se ofereceu para sediar).
Quem não pôde usar veleiros para participar da Conferência da Floresta, veio mesmo de avião. Mas, chegando à Amazônia, trataram de plantar sementes para se redimir dos gases que ajudaram a espalhar na atmosfera durante o voo. O contraste dessa reunião com a convocada pelas Nações Unidas é evidente, não só com relação ao local, mas também porque na Amazônia a ênfase dos debates não está na tecnologia ou na economia, na urbanização.
Ouvida pela reportagem do “The Guardian”, a jovem Robin Ellis-Cockcroft, organizadora da “Extinction Rebellion Youth”, disse que estava ali em busca de uma vida diferente:
“Estou aqui porque muitos jovens na Europa percebem que precisamos de um mundo novo, mas nossos adultos não sabem como viver de maneira diferente. As pessoas daqui fazem isso. Se pudéssemos mudar a dinâmica do poder no mundo, poderíamos ter uma chance.”
Para tirar o aspecto romance da empreitada, é bom lembrar que na pauta dos debates – para os quais vários líderes indígenas foram convidados, incluindo o cacique Raoni – está a questão do assassinato de pessoas que defendem a terra e vivem desse “jeito diferente”. A morte recente de Paulo Paulino Guajajara, numa emboscada, mostra que os perigos da floresta, atualmente, também podem ser provocados pelo sistema econômico que prevê acumulação e incita a ganância.
A discussão de questões da Amazônia, in loco, portanto, sugere que os jovens ativistas que se mobilizam nos grandes centros poderão sair de lá com uma bagagem de reflexões mais alentada. Que seja produtivo para o debate.
*Amelia Gonzalez é jornalista
Fonte: G1