Opinião

Por que preservar uma espécie?

*Amanda Souza dos Santos e Rita de Cássia Quitete Portela

Você sabe de onde vem o palmito? Palmito dá em árvore, mas, calma, não é que nem fruta não. O palmito dá nas árvores do grupo das palmeiras, aquelas com cara de coqueiro. Do palmito é que se originam as folhas das palmeiras e quando ele é extraído de uma palmeira que tem um caule só, a palmeira morre uma vez que já não é capaz de produzir novas folhas. Existem vários tipos de palmito, cuja extração é sustentável, disponíveis nas prateleiras do mercado, mas a extração ilegal do palmito pode colocar algumas espécies de palmeira em risco de extinção por causa da sua já mencionada importância para essas plantas.

Na Mata Atlântica, a palmeira Juçara (Euterpe edulis) é uma dessas que tem apenas um caule e sofre com a extração de palmito. A intensa exploração do seu palmito tornou essa palmeira ameaçada de extinção e a espécie, que antes era encontrada com abundância em áreas de floresta, hoje quase não é encontrada fora de áreas de proteção ambiental. Por conta disso, a extração do palmito da juçara se tornou ilegal.

Na Reserva Biológica Poço das Antas, localizada em Silva Jardim (RJ), um fato curioso envolvendo as Juçaras e seu palmito começou a chamar a atenção. Muitas palmeiras começaram a aparecer com a copa desfolhada e mortas, claro sinal de extração de palmito, mas ninguém sabia quem estava fazendo isso dentro da reserva, que não tinha histórico de intensa extração ilegal. Colocando câmeras perto das palmeiras, foi possível descobrir quem era o ladrão (e assassino) de palmitos. Era um primata, mas não o humano. Os responsáveis eram os macacos-prego (Sapajus nigritus).

Os macacos-prego são bastante conhecidos pela sua inteligência, eles conseguem até mesmo moldar algumas pedras para usá-las como ferramentas. Na REBIO Poço das Antas e em algumas outras localidades, os macacos-prego descobriram de alguma forma que tem palmito nas palmeiras e gostaram. Alguns estudos já relatam essa interação entre os macacos e os palmitos Juçara, mas na maior parte das vezes ela ocorre em baixa frequência e no período em que a floresta produz menos alimento. Isso é razoável uma vez que não é muito fácil abrir a copa de uma palmeira para alcançar o palmito, então é muito melhor ir à procura de fontes de alimento mais acessíveis quando elas estão disponíveis.

Porém, na REBIO Poço das Antas, a população de macacos-prego está superabundante, com cerca de 66 indivíduos por km², enquanto em uma outra região onde a mesma interação foi reportada, a densidade populacional de macacos-prego estimada foi de 10 indivíduos por km². Nesta outra região, a perda de Juçaras por conta desta interação era de quase duas palmeiras por hectare a cada ano, enquanto na REBIO Poço das Antas, essa estimativa chegou a 58 palmeiras por hectare por ano. O objetivo da pesquisa que estamos conduzindo em Poço das Antas foi compreender como a intensa predação das palmeiras poderia modificar a floresta. Isto porque estudos anteriores apontam que os frutos produzidos pela Juçara, que são muito similares ao açaí, são um recurso muito importante para a fauna. Em áreas bem conservadas, a quantidade de espécies se alimentando dos frutos da Juçara pode chegar a 25 espécies de aves e 15 de mamíferos. Porém, existe algo ainda mais importante por trás da alimentação da fauna.

Esses animais que se alimentam de frutos são potenciais dispersores de sementes. E o que é que esses dispersores fazem? Eles levam sementes dessas árvores das quais eles se alimentam de uma área para a outra e, assim, eles permitem que essas plantas cheguem a novos lugares, sendo um dos responsáveis pela diversidade de plantas dentro da floresta. Portanto, se o fruto da Juçara está desaparecendo porque os macacos estão comendo as palmeiras, menos frutos da Juçara estão disponíveis para a fauna consumir e se a fauna já não visita mais as áreas de onde as palmeiras estão desaparecendo, as sementes não chegam nessas áreas. Bom, mas e daí? O que acontece a partir daí é que nas áreas onde a quantidade de palmeiras está diminuindo, plantas que dependem de animais para dispersar suas sementes podem desaparecer em longo prazo já que elas não estão sendo levadas para essas áreas, causando mudanças na composição de espécies da floresta.

Para avaliar se nossas suspeitas eram reais, nós coletamos a chuva de sementes em três áreas dentro da REBIO Poço das Antas. Chama chuva de sementes porque vem de cima, normalmente são as sementes trazidas pelas aves, que atuam como grandes dispersoras nas florestas. O que era diferente entre essas três áreas era a quantidade de Juçaras em cada uma. Na primeira área, as Juçaras já tinham desaparecido por causa da predação dos macacos; na segunda área, as Juçaras estavam sofrendo o ataque dos macacos durante o período do nosso estudo; e na terceira área, nenhuma palmeira tinha sido consumida pelos macacos. Nós também acompanhamos o período de frutificação da Juçara para saber se quando a quantidade de frutos da palmeira disponíveis era maior, os dispersores traziam mais sementes, uma vez que eles visitariam mais essas áreas quando houvesse oferta de frutos.

Então, só relembrando, nossas expectativas eram que de acordo com a redução na quantidade de palmeiras, haveria uma menor quantidade de sementes trazidas pelos dispersores de fora das nossas áreas de estudo. E nós também acreditávamos que quando os frutos das palmeiras estivessem disponíveis, mais sementes chegariam porque os dispersores visitariam mais as áreas onde as palmeiras estavam presentes e frutificando.

O que encontramos contrariou completamente nossas expectativas. A quantidade de sementes que a fauna trazia para dentro das nossas áreas de estudo variou apenas com a presença da Juçara e não de acordo com a quantidade de Juçaras presentes. Ou seja, basta a palmeira estar presente para afetar a chegada das sementes! E no que se refere à quantidade de sementes trazida pela fauna durante a frutificação da Juçara, verificamos que quanto maior a quantidade de cachos de frutos da Juçara disponíveis, menos sementes eram trazidas pela fauna para as áreas acompanhadas. Mas então quer dizer que a quantidade de palmeiras não influencia a atividade dos dispersores e, consequentemente, não altera a abundância dos frutos e sementes trazidos por eles? Sim. E quando têm mais frutos de Juçara nas áreas, esses dispersores não são atraídos para lá, já que não chegam mais sementes e frutos? Não!

Na área onde não tem mais palmeira chegam poucas sementes quando comparadas às áreas onde as Juçaras ainda estão presentes, mas entre as áreas onde a Juçara estava sendo consumida e onde ela não estava sendo consumida, a diferença entre os propágulos que a fauna trazia foi bem pouco expressiva. Só para comparação, a estimativa populacional de Juçaras na área em que a palmeira vinha sendo consumida pelos macacos e onde a interação não estava ocorrendo foi de respectivamente 275 e 575 indivíduos por hectare. Então, na verdade, o que influencia o movimento da fauna que se alimenta de frutos e atua como dispersora de sementes não é a quantidade das palmeiras, mas sim a simples presença das palmeiras. Estando a Juçara presente, não importando a quantidade, os dispersores visitam a área e, consequentemente, levam os frutos e sementes dos quais se alimentam.

A nossa segunda descoberta com esse estudo mostra por que esses dispersores visitam tanto as áreas onde a Juçara está presente. Nós observamos que quanto mais cachos de frutos de Juçara disponíveis, menos propágulos trazidos pela fauna chegavam às áreas onde a Juçara estava presente. Se esses dispersores não trazem nada de fora para dentro das parcelas, é porque eles estão se alimentando dentro das parcelas, justamente dos frutos da Juçara! Então, nessas áreas onde a Juçara ainda está presente chegam mais sementes e frutos de outras espécies trazidos pela fauna porque os dispersores circulam à procura dos frutos da Juçara e quando esses frutos estão na floresta, os dispersores se alimentam basicamente deles e devem se mover menos.

Portanto, os frutos da Juçara são de fato muito importantes para a comunidade de animais que se alimenta de frutos na floresta da REBIO Poço das Antas, como já apontado por outros estudos realizados em outras florestas da Mata Atlântica. E mais do que isso, a palmeira Juçara desempenha um papel-chave para a regeneração das espécies de plantas, uma vez que influencia a atividade dos animais que atuam como dispersores de sementes. Os efeitos dessa interação entre os macacos-prego e a palmeira Juçara oferecem graves consequências para as comunidades em que esses primatas ocorrem em altas densidades, pois reduz a quantidade de recursos alimentares disponíveis para a fauna e compromete a regeneração natural das florestas.

É importante lembrar que o macaco-prego é uma espécie também nativa da Mata Atlântica, que por um desequilíbrio ecológico se tornou superabundante, causando prejuízos para essa comunidade. Este desequilíbrio pode ter sido causado pela fragmentação florestal, causada por desmatamento, um grande problema que aflige a conservação atualmente ou pela perda de espécies que interagiam com este primata de alguma forma, seja competindo por recursos ou controlando a quantidade de macacos através de predação, por exemplo. Esses efeitos em cadeia que se observam nas florestas são chamados efeitos em cascata: a partir de um distúrbio na floresta, uma série de outras consequências se desdobram, causando a perda da biodiversidade local e aumento da degradação ambiental.

Por fim, esta relação entre macaco e palmeira mostra o quanto é importante nos atentarmos que cada espécie é necessária dentro do contexto em que está inserida e, por isso, o desaparecimento de uma espécie pode acarretar uma série de desdobramentos negativos para as florestas. Não basta apenas uma área protegida com várias espécies de animais e plantas dentro, é preciso observar como as espécies interagem e proteger também essas interações. As interações das espécies umas com as outras e com seu ambiente é que fazem as florestas funcionarem e, nesse caso, a perda de uma só espécie pode ser fatal.

*Rita de Cássia Quitete Portela é bióloga e desde 2005 acompanha populações de palmito em diferentes áreas da Mata Atlântica. Amanda Souza dos Santos é doutoranda da UFRJ e está interessada em saber como a floresta vai se comportar sem a presença do palmito.

Fonte: O Eco