Jovens empresários ensinam a mudar o rumo da roda com o reúso e a reciclagem
* Amélia Gonzalez
No jornalismo, sabemos que nem sempre a pauta que se imagina é aquela que acaba rendendo. Foi assim quando eu tive a intenção de entrevistar o biólogo Yam Vasconcellos. Minha ideia inicial era debater com ele sobre a relação entre animais e homens nos centros urbanos, a partir de uma cena que eu tinha vivido há poucos dias. Numa rua movimentada da Zona Sul, uma mulher teve o cuidado de pendurar uma banana para dar aos micos que descem da mata e estão cada vez mais presentes nas ruas, às vezes andando perigosamente por fios. Parei e alertei a mulher sobre o risco de criar um vício nesses bichos, com comida mais fácil e cheia de carboidrato. Levei uma bronca, quis seguir em frente com o debate e pedi ao Yam para conversarmos.
Sim, ele corroborou a tese que não é minha, mas que eu já tinha lido em algumas publicações sobre Biologia.
“Os micos têm uma diversidade de alimentos nas matas, eles comem de tudo. Tem épocas que tem alimento farto, tem épocas que não tem, e eles precisam inventar o que comer. Mas como o humano começou a alimentá-lo, mostrando outro sabor, eles descem direto. E aí, mexe com todo mundo, muita gente não gosta, cria o caos aqui na cidade”, disse ele.
Bem, mas mesmo antes de chegarmos ao meu assunto principal, Yam e eu começamos a falar sobre economia colaborativa, inovação, sobre reúso e reciclagem. São as motivações que estão inspirando a geração deste jovem de 29 anos a enfrentar os desafios que a própria humanidade tem legado. A conversa foi tomando este rumo, minha pauta foi também se transformando, e Yam contou-me como, depois de fazer alguns estágios na área da Biologia, se tornou um empresário, junto com outros três amigos, e hoje tem tentado fazer a diferença, esforçando-se para, como ele diz, “mudar o rumo da roda”.
Sabem aqueles contêineres que se vê de longe, da praia ou de qualquer outro lugar, sendo conduzidos em navios mar afora? Trabalhando numa empresa offshore, Yam fez contato com o fato de que aquelas imensas estruturas, feitas de ferro, com tratamento antiferrugem, capazes de suportar 30 toneladas de peso, têm uma vida útil de 15 a 20 anos. Depois disso… viram sucata!
“Os contêineres foram criados em 1946 e têm este prazo de validade por segurança, para não se correr o risco de quebrar uma estrutura dessas, já que eles são empilhados, de oito a dez. Há hoje cemitérios de contêineres em Caxias, Itajaí, outros lugares”, contou-me Yam.
A ideia de reaproveitar esta megaestrutura – “A alma de nossa empresa é o lixo!” – e colocá-la de volta à ativa surgiu, primeiro, como a possibilidade de fazer um quiosque na Praia de Grumari, frequentada pelos quatro sócios da In Container, empresa que foi criada em 2016 e começou a funcionar em 2017. Não ficaram só nisso. Alguém enxergou, como eles, a possibilidade de botar em prática o Reúso – um dos mantras da economia sustentável – e perguntou se eles poderiam transformar contêineres em espaços utilizáveis como escritório e até para fabricar… cerveja!
Assim nasceu uma vila num galpão em São Cristóvão, só de contêineres, para uma produção industrial de pequena escala. Depois de dois anos, a empresa cresceu, saiu de lá e vendeu os contêineres para outra empresa que continuou aproveitando a estrutura.
“Estão surgindo muitos outros usos. Como somos uma empresa projetizada, a gente trabalha ouvindo a pessoa que vem com a demanda. Buscamos entender a expectativa dela e adequar o orçamento dela. Já tivemos, por exemplo, um pedido de um dentista que não tem dinheiro para alugar um imóvel e queria que a gente transformasse um contêiner para que ele usasse como consultório na garagem do prédio, no espaço que é dele, já que não usa carro. Mas os outros moradores não quiseram”.
Yam e seus sócios usam as redes sociais para saber onde há contêiner à venda. E acreditam que esta pode ser a moradia do futuro. A questão do calor pode ser resolvida, assim como quaisquer outras demandas, dependendo de um arquiteto e de engenheiros. Mas o que mais me pareceu inovador na proposta é a flexibilidade de uso – cada contêiner, depois de utilizado, vira outra coisa, ganha nova função – e o espírito de trabalho em conjunto, vias que considero, de fato, inovadoras num sistema viciado em garantia de lucro e desenvolvimento a qualquer custo. Projetos sociais e ambientais também estão no escopo dos jovens sócios.
“Temos a ideia de fazer uma biblioteca itinerante para comunidades e queremos também usar um contêiner como captador de água da chuva para o Jardim Gramacho. Depois, é só botar um filtro e vira água potável para os moradores. Tenho um trabalho social naquela comunidade e fiquei impressionado quando vi, certa vez, um garoto bebendo água do chão!”, contou-me Yam.
Deste ponto, de novo a conversa girou. Yam faz outro trabalho voluntário, junto com amigos, que é de distribuir sopa para moradores de rua. Está impressionado com o número de pessoas que estão sem teto atualmente, dormindo sob marquises no Centro da cidade.
“Sempre levamos de cem a 150 sopas. Há três, quatro anos, quando começamos este trabalho, começávamos na Avenida Presidente Vargas e íamos pelas ruas de dentro, às vezes até o Largo do São Francisco. Hoje, as sopas se acabam ali na Presidente Vargas mesmo”.
Yam leu “Sapiens”, de Yuval Noah Harari e não sai de sua cabeça a afirmação, feita pelo historiador, de que o maior problema já está sendo a falta de emprego. O trabalho do homem está sendo trocado por trabalho de máquinas, daí a quantidade de sem-teto aumentando nas ruas.
“O jeito é fazer o que se gosta e dar a mão para o outro, impactar pessoas. Senão, a conta não vai fechar”, disse Yam.
O melhor de uma conversa que gira é aproveitar os bons momentos e compartilhar informações para, quem sabe, poder inspirar pessoas. É a minha tarefa.
* Amélia Gonzalez é jornalista
Fonte: G1