No meio ambiente, pouco a comemorar em 2018 e muito ainda a debater
*Amélia Gonzalez
Para falar a verdade, 2018 começou muito bem para os ambientalistas do mundo todo. A notícia de que o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, comprara briga contra cinco petroleiras, sob o argumento de que elas provocam a tragédia climática que põe em risco a vida de muitos e não movem uma palha para descontinuar o processo funcionou como um aditivo poderoso para quem acredita que é possível uma mudança de paradigma capaz de fazer estancar a enxurrada de gases poluentes que a humanidade vem despejando sobre o planeta.
Mas, caros leitores, escolhi esta notícia para abrir o texto com a retrospectiva de 2018 porque já ando meio zonza de ouvir/assistir/ler a divulgação de fatos tão tristes e desalentadores para a natureza (humana). Bill de Blasio realmente envergou sua melhor armadura e ganhou os holofotes da imprensa no início do ano. No entanto, seis meses depois, um juiz de Manhattan, John Keenan, revogou o processo, alegando que a Justiça não tem condições de julgar um desafio global como este. E ainda convidou outros municípios que haviam seguido a mesma trilha, a abandonar o projeto para “economizar recursos do contribuinte e se concentrar em soluções significativas”.
Terminou assim, portanto, quase como uma bravata, a batalha que poderia ter conduzido a cidade que abriga o maior centro financeiro do mundo a trilhar um caminho bem diferente. E, é claro, carreando dessa forma outros tantos municípios que poderiam se espelhar.
Estamos virando o ano em mais um período sem soluções plausíveis para os problemas que enfrentaremos cada vez mais, causados pelo excesso de combustíveis fósseis que está mudando o clima, aquecendo a Terra. Como foi dito pelo primeiro ministro indiano, Narendra Modi, na abertura do Forum Econômico de Davos, que aconteceu em janeiro, “todos falam sobre a redução das emissões de carbono, mas há muito poucas pessoas ou nações que usam recursos para ajudar os países em desenvolvimento a adotarem a tecnologia apropriada”. Faltou solidariedade em 2018, portanto. E isso, infelizmente, não tem sido novidade nesta nossa era.
Ah, mas teve outra boa notícia, que eu já ia me esquecendo de dar a vocês: no mês de agosto, um simples jardineiro causou tremor no mundo do agronegócio quando ganhou uma ação contra a Monsanto, alegando que contraiu câncer pelo uso constante dos herbicidas “Roundup” e “Rangerpro”. A causa, ganha, abriu caminho para uma série de outros processos, abertos por pessoas também atingidas pelo produto. Todas essas pessoas usaram o Roundup acreditando nos avisos dados pela empresa, de que o produto é seguro para a saúde. Não é, ou pelo menos há muita controvérsia a respeito, como se vê na reportagem publicada em outubro pelo jornal “The Guardian”.
Ainda nesse tema, aqui no Brasil, a sociedade civil se organizou e divulgou um Atlas do Agronegócio, mostrando como o uso dos fertilizantes causam custos energéticos, ambientais e impactos para a saúde dos humanos. Dias antes, uma Comissão Especial da Câmara votara a favor de um projeto que flexibiliza ainda mais a compra de agrotóxicos. Como se já não bastasse o fato de o país ser o maior consumidor de agrotóxicos de todo o mundo.
A explicação para tolerar ainda mais produtos que, além de servirem para matar pragas também acidificam os solos, poluem lençóis freáticos, lagos, rios e danificam bastante a saúde dos humanos, é que eles são necessários para alimentar os 7 bilhões de pessoas que hoje habitam a Terra.
Porém, segundo dados publicados em setembro pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 821 milhões de pessoas, cerca de uma em cada nove, foram vítimas da fome em 2017, um aumento de 17 milhões em relação ao ano anterior . Aqui no Brasil, os números publicados por Marcelo Neri, do Ipea, também em setembro, dão conta de que mais seis milhões entraram para essa linha da pobreza e que a desigualdade aumentou. O último Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) o Brasil é o 10º país mais desigual do mundo, num ranking de mais de 140 países .
E um outro estudo publicado pela sociedade civil, desta vez a Oxfam, deixa claro que até para quem produz o alimento levado às gôndolas dos supermercados, está difícil sair do mapa da fome.
Fica evidente, portanto, que o problema da fome no mundo não é de falta de alimentos, mas de distribuí-los bem e de as pessoas terem dinheiro para comprá-los. Foi assim em 2017, em 2018, é assim agora. E só vai deixar de ser quando as grandes corporações e os grande líderes pararem de botar o lucro à frente das pessoas. É, portanto, altamente questionável justificar o uso abusivo de produtos tão danosos à saúde dos humanos sob o argumento de que isto é preciso para acabar com a fome no mundo.
Mudando de assunto: os eventos extremos se sucederam em 2018, a maioria causada pelas mudanças do clima, como se a natureza quisesse estampar em letras garrafais o tamanho do problema que a humanidade tem que enfrentar com seriedade. Só no mês de setembro e num período concomitante, um furacão avançou pela costa das Carolinas Norte e Sul dos Estados Unidos e uma tempestade tropical, apelidada de super tufão, varreu as Filipinas. Quinze pessoas foram mortas nos Estados Unidos, dezenas de outras perderam as vidas nas Filipinas. E não ficou por aí.
A seca, outro efeito das mudanças climáticas, tomou o Cerrado, aqui no Brasil, e compromete seriamente a distribuição de água em todo o país. De novo, neste caso, a responsabilidade pelos danos ambientais recai sobre os ombros do agronegócio.
Diante deste cenário – e como se não bastasse – os ambientalistas do Brasil receberam um duro golpe com os resultados das últimas eleições. Pouco mais da metade dos brasileiros elegeram um presidente, Jair Bolsonaro, que prefere retroceder aos tempos em que os bens naturais eram considerados infinitos e dar prioridade a impulsionar o desenvolvimento do país, mesmo que para isso seja necessário degradar terras, poluir ambiente, rios, lagos e mares.
É do jogo democrático. Mas é preciso perceber que isto significa que milhões de brasileiros não pensam em preservação do meio ambiente, pelo menos não como um assunto importante. Por outro lado, também faz parte da democracia a resistência a tais ideias que empurram o país um retrocesso de mais de trinta anos. Para os ambientalistas, portanto, inaugura-se um período de muito trabalho.
Até porque, no mês passado, dias antes de começar a COP24 na Polônia, um relatório da ONU foi publicado para fazer outro dos muitos alertas que não têm sido ouvidos. Segundo os estudos, os esforços globais para conter as emissões não têm tido bom resultado. Pelo contrário: o crescimento econômico é o responsável por um aumento, isto sim, de gases poluentes na atmosfera.
E o primeiro resultado concreto das ideias de Bolsonaro foi a negativa de sediar a próxima cúpula do clima, a COP25. Sob alegação de que a reunião é inútil, o presidente eleito tirou do Brasil a chance de receber aqui – 27 anos depois da conferência mais famosa, a Rio-92, onde os cientistas pela primeira vez deram alerta sobre o perigo das emissões de carbono – líderes do mundo todo para debater sobre o maior imbróglio atual da humanidade. E vida que segue.
Para encerrar, volto a uma boa notícia. Em 2018 os indígenas de todo o mundo ganharam um presente da Relatora Especial das Nações Unidas para os Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz que, num estudo divulgado em julho, condena a criação de Unidades de Conservação. Segundo ela, a terra tem que servir para os humanos e, neste sentido, ninguém melhor que os indígenas para conservá-las. Victoria afirma que “há crescentes evidências de que as florestas prosperam quando os povos indígenas permanecem em suas terras”.
Temos muito o que aprender com eles, e a troca poderia ser bem intensa e produtiva, sobretudo aqui no Brasil, onde já há grupos organizados e ancorados por excelentes organizações. Mas não é o que ocorre: um relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), publicado em outubro, dá conta de que a violência contra estes povos, no Brasil, tem um aumento sistêmico, contínuo.
Não consegui manter o tom otimista, como vocês podem constatar. Para me dirimir, deixo de presente palavras do Papa Francisco em sua Encíclica de 2015, “Laudato Si”.
“Sabemos que é insustentável o comportamento daqueles que consomem e destroem cada vez mais, enquanto outros ainda não podem viver de acordo com a sua dignidade humana. Por isso, chegou a hora de aceitar certo decréscimo do consumo em algumas partes do mundo, fornecendo recursos para que se possa crescer de forma saudável em outras partes”.
Simples assim. Bom ano a todos.
Amélia Gonzalez é jornalista
Fonte: G1