Opinião

Porque os Botos estão morrendo na Baía de Sepetiba e em extinção na Baía de Guanabara?

*Sérgio Ricardo

Neste início de ano, banhistas e turistas que frequentam as belíssimas praias da Costa Verde e do Rio de Janeiro tem se assustado com a presença de grande quantidade de algas-vivas consideradas gigantes. Simultaneamente, nos últimos 18 dias, na baía de Sepetiba ocorreu a morte de 88 botos-cinzas: este número equivale a 10% da população desta espécie que é um dos principais símbolos cariocas.

Uma verdadeira tragédia, se considerarmos que em 2008 eram 2.500 botos na baía de Sepetiba. Neste momento, estima-se que se limitem a apenas 800 botos. Ou seja, uma perda estimada de 70% a 80% da espécie em 20 anos!

Especula-se sobre a possibilidade de que uma das prováveis causas desta mortandade seja a ocorrência de doenças oriundas de vírus ou bactérias que estariam dizimando os botos. Será?!

O que podemos afirmar é que na outra baía carioca, a da Guanabara, os botos-cinzas já são considerados uma espécie ameaçada de extinção: na década de 1990, quando foi iniciado o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) eram 800 indivíduos desta espécie e, na atualidade, são somente 34 botos, de acordo com pesquisas desenvolvidas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Projeto Maqua). A expansão ilimitada da indústria petroleira que vem ocupando tanto o litoral, como as ilhas e o espelho d´água com oleodutos, gasodutos, plataformas e o fundeio de navios estacionados inclusive em áreas consideradas tradicionais pesqueiros, tem gerado crescentes áreas de exclusão de pesca que, na prática, criminalizam os trabalhadores do mar e ampliam o risco de novos acidentes ambientais.

A saúde ambiental das baías urbanas, Guanabara e Sepetiba, é extremamente crítica: a intensa poluição das águas por esgoto e lixo associados à contaminação por poluentes industriais, presentes na água e nos sedimentos de fundo, não deixa dúvidas de que há um sério desequilíbrio ambiental que vem, gradativamente, impactando a pesca e ameaçando a biodiversidade marinha.

Por um lado, caso persista este quadro caótico, em curto prazo de tempo, haverá um colapso na indústria do turismo que tem na rara natureza carioca seu principal atrativo. Esta riqueza ecológica constitui um importante ativo econômico, de valor inestimável, que se bem cuidado e protegido será herdado pelas futuras gerações.

Por sua vez, a degradação ambiental das baías, rios e lagoas se não for revertida a tempo, o que requer investimentos massivos e um planejamento com metas e participação pública, poderá gerar uma deseconomia de escala com perda de competitividade e aumento dos custos de produção, como aliás já ocorre com a (i)mobilidade urbana da região metropolitana onde calcula-se que, por ex. em 2013, ocorreu uma expressiva perda econômica que ultrapassou R$ 30 bilhões, ou 4,8% do PIB estadual durante aquele ano (FIRJAN, 2016). Este custo elevado significa uma “produção sacrificada”, já que os trabalhadores(as) precisam se deslocar por mais de 2 horas diárias no trânsito e por grandes distâncias, provocando o adoecimento do corpo trabalhador, o que afeta principalmente as mulheres e idosos.

Ou seja, a médio e longo prazos, este ciclo é insustentável tanto do ponto de vista social e ambiental, quanto econômico, por existir o risco real de perda ou extinção de milhares de empregos no setor turismo em função de políticas equivocadas, ditas de “desenvolvimento”, e do descaso, omissão e conivência que tem levado à ausência de fiscalização das fontes poluidoras e de monitoramento ambiental.

O Baía Viva tem feito este alerta ambiental à sociedade e ao Poder Público: está em curso um equivocado processo de reindustrialização das baías situadas em nossa metrópole que tem sido impulsionado pela exploração do Pré-sal na Guanabara e do setor siderúrgico-portuário em Sepetiba, que tem por objetivo manter inalterado um dependente padrão de exportação de commodities cuja origem é a danosa opção política de perpetuar a reprimarização da economia brasileira, ao invés de investir prioritariamente em desenvolvimento tecnológico, ciência e inovação.

Portanto, o “mistério” da mortandade dos botos nas baías fluminenses é resultado de um modelo de desenvolvimento predatório e de elevado potencial poluidor cuja acumulação e reprodução de capitais que tem levado à maximização de lucros privados, inclusive em benefício de corporações transnacionais, tem se dado por meio da apropriação dos bens ambientais (que tem sido privatizados) e da constante violação dos direitos dos povos tradicionais com a criação de instrumentos de financeirização da economia e de mercantilização da natureza.

Na década de 1990, a renomada agência ambiental da Alemanha GTZ (GIZ), vinculada ao Ministério Federal Alemão para Cooperação Econômica e Desenvolvimento, monitorou a qualidade ambiental da Baía de Sepetiba e, ao identificar – já naquela época – alto grau de contaminação química presente neste ecossistema marinho, recomendou às autoridades brasileiras e ao governo fluminense que não avançassem com os planos governamentais associados a fortes interesses empresariais que buscavam, às pressas e sem respeito às leis ambientais ou diálogo com a sociedade e a academia, promover um maior adensamento do parque industrial da Costa Verde fluminense a partir de tecnologias consideradas sujas e obsoletas.

Com isso, abriu-se uma oportunidade estratégica de um debate público sobre o futuro daquele território numa perspectiva da necessidade de se promover o seu desenvolvimento socioeconômico com sustentabilidade ambiental e a partir da valorização de suas potencialidades e vocações. Isso, necessariamente, passava pelo reconhecimento dos direitos ambientais, sociais, culturais e econômicos de pescadores artesanais, agricultores familiares e quilombolas da Ilha da Marambaia, assim como das populações dos municípios situados nesta bacia hidrográfica. O que não ocorreu.

No cenário de crise ecológica em que nos encontramos, passado quase 30 anos, lamenta-se que, ao invés de adotar as recomendações desta conceituada agência ambiental, o governo estadual rompeu (cancelou) abruptamente, sem maiores explicações ou transparência, o convênio de cooperação técnica firmado entre a GTZ (GIZ) e o órgão estadual FEEMA (hoje INEA – Instituto Estadual do Ambiente, órgão da Secretaria Estadual do Ambiente).

A Baía de Sepetiba, que no passado era uma referência para a economia pesqueira por ser um criadouro natural de peixes, moluscos e crustáceos, foi historicamente degradada pela poluidora Companhia Mercantil e Industrial Ingá que processava minério para a produção de lingotes de zinco, e se instalou em 1962 na Ilha da Madeira em Itaguaí, sendo sua capacidade total de produção de 60 mil toneladas por ano, o que representava 30% do mercado nacional de zinco. Em 1998, os proprietários e investidores, decretaram uma falência fraudulenta para se livrarem dos custos elevados de reparação do passivo ambiental (estimado em R$ 20 milhões) e de dívidas trabalhistas milionárias, o que contou com a conivência de autoridades públicas. Estima-se que, durante os 30 anos que as instalações industriais da Ingá permaneceram abandonadas, vazou para a baía um volume de 10 milhões de toneladas de cádmio e zinco que foram depositadas à céu aberto dentro de um dique de rejeitos bastante precário. Além de cádmio e zinco, no dique da empresa foi identificado um montante de 50.000 (50 mil) toneladas de outras substâncias potencialmente tóxicas, altamente cancerígenas, tais como: chumbo, arsênio, cromo, mercúrio, enxofre e benzopireno que, a cada chuva forte, transbordavam contaminando as águas e sedimentos da baía, originando mortandades de peixes e poluição de extensa área de manguezal. Em 2000, com as chuvas fortes, mais uma vez, o inseguro dique de rejeitos tóxicos que “armazenava” o material contaminado apresentou risco de rompimento de cerca de 2 milhões de toneladas de rejeitos industriais e milhares de litros de água ácida.

Em 2007, a siderúrgica alemã Thyssen Krupp (atual TERNIUM) realizou grande volume de dragagens que revolveram estes metais pesados de elevada toxicidade que se encontravam sedimentados (depositados) no fundo da Baía, o que resultou na ressuspensão ou recirculação dos sedimentos contaminados, que atingiu áreas de manguezais, rios e os tradicionais pesqueiros de onde milhares de pescadores artesanais tiravam diariamente o sustento de suas famílias.

Na época, colocamos publicamente e na imprensa nossa preocupação com o descarte final ou enterramento de resíduos industriais (lixo químico) NO FUNDO DO MAR, já que os investidores e acionistas deste empreendimento – logicamente contando com o aval dos órgãos ambientais e do BNDES – optaram por implantar valas denominadas CDFs (confined disposal facility) de até 12 metros de profundidade que foram construídas no fundo da Baía de Sepetiba! Pescadores e movimentos sociais, reivindicaram a aplicação neste caso dos princípios do Direito Ambiental internacional como os de Precaução e de Prevenção, tendo notificado oficialmente tanto os diversos órgãos ambientais, assim como os Ministérios Público Federal e Estadual e o Poder Judiciário, onde alegávamos que era inaceitável a transformação da Baía de Sepetiba numa LIXEIRA INDUSTRIAL. Em especial pelo fato da TKCSA ter obtido financiamento bilionário do BNDES e dispor de isenções fiscais milionárias de ICMS e ISS. O descarte em terra do material contaminado dragado, num aterro industrial, ou seu encapsulamento (geobags) era considerado ambientalmente mais seguro por diversas instituições técnicas e pelas comunidades impactadas. Porém, esta alternativa tecnológica foi descartada pelo empreendedor (e, mais uma vez, contou com a chancela dos irresponsáveis e criminosos dirigentes de órgãos ambientais (INEA, SEA, CECA, IBAMA, MMA e SMAC) e da direção do BNDES, instituição financeira que pagou com dinheiro público a execução deste crime ambiental premeditado que resultou na perda da renda e do sustento familiar e na precarização das condições de trabalho e da qualidade de vida de mais de 8 mil pescadores, ao alegarem cinicamente que estas soluções tecnicamente mais sustentáveis e duradouras eram caras ou inviáveis do ponto de vista financeiro.

O Estado do Rio de Janeiro, ao ainda hoje não ter elaborado seu Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e dos seus territórios pesqueiros e agrícolas; assim como ao não dispor de um efetivo Gerenciamento Costeiro, tem se colocado na vanguarda do atraso ao produzir um modelo de desenvolvimento que se caracteriza por uma economia suja que contribui diretamente para aprofundar as desigualdades socioespaciais e a injustiça ambiental.

*Sérgio Ricardo é ecologista, gestor ambiental e membro-fundador do movimento Baía Viva

Fonte: EcoDebate