Congresso tem 19 projetos que ameaçam unidades de conservação
Criadas para proteger a biodiversidade e garantir serviços essenciais à nossa qualidade de vida, as unidades de conservação (Ucs) brasileiras correm grande perigo. No Congresso Nacional, tramitam 19 projetos de lei que visam a redução, recategorização e extinção de áreas protegidas, aponta análise da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação (Rede Pró-UC).
Processos que visam reduzir, diminuir o status de proteção até acabar com áreas protegidas são conhecidos pela sigla em inglês PADDD (Protected Areas Downsizing, Downgrading and Degazetting). Nos últimos anos, cerca de 90 eventos de PADDD ocorreram no país, afetando mais de 110 mil quilômetros quadrados, uma área superior ao estado de Pernambuco, indicou plataforma do WWF-Brasil.
A pressão exercida pela grilagem, especulação imobiliária, exploração de recursos e expansão agropecuária são os fatores que mais motivam alterações em unidades de conservação brasileiras. Essas ameaças se intensificaram com o desmonte das políticas ambientais, que ganhou força no atual governo.
“Em 2019 foi um ataque. Eu ouvi parlamentares falando que nunca o momento foi tão favorável quanto agora. Alguns projetos estavam parados, mas ressuscitaram nessa legislatura. A pressão sempre existiu, porém é muito maior nos últimos anos”, afirmou a diretora da Rede Pró-UC, Angela Kuczach, ao jornal O Globo.
Dos 12 projetos de PADDD na Câmara, um é de autoria do Executivo e o restante de deputados da bancada ruralista, sobretudo do PP e PSD. Outros sete tramitam no Senado. Os parques nacionais da Chapada dos Veadeiros, em Goiás; do Iguaçu, no Paraná; de São Joaquim, em Santa Catarina; e dos Lençóis Maranhenses, no Maranhão, estão entre os atingidos.
Além dos PLs que afetam unidades específicas, há aqueles que abrangem todas as unidades de conservação, como o PL 2.001/19, do deputado Pinheirinho (PP/MG), sobre desapropriação e indenização de propriedades privadas em Ucs. O objetivo da proposta é extinguir áreas protegidas que não tenham concluído a regularização fundiária no prazo de até cinco anos, o que causaria extinção de quase todas as UCs no país.
“Em outras palavras, pretende extinguir unidades de conservação de modo diferente ao previsto no texto constitucional, o que é expressamente vedado, vez que apenas por lei específica é que se permite a redução ou a supressão de qualquer área especialmente protegida”, indicou a Rede Pró-UC, em nota.
Unidades sob ameaça
- Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros
Criado com 625 mil hectares, o parque sofreu sucessivas reduções até chegar a 65 mil hectares, cerca de 10% de sua área original. Em 2017, um decreto federal ampliou em quatro vezes o tamanho da área, mas até hoje a Uc sofre pressão de produtores rurais. Projeto do dep. Delegado Waldir (PSL/GO) propõe anular o decreto de ampliação e reduzir o parque em 73%.
Patrimônio Natural da Humanidade, o Parque dos Veadeiros, junto do Parque Nacional das Emas, compreende mais de 60% de todas as espécies de plantas do Cerrado e quase 80% dos vertebrados do bioma. Além de preservar ecossistemas únicos, o Parque dos Veadeiros é importante fonte de renda para a região.
- Parque Nacional do Iguaçu
Propostas de reabertura da Estrada do Colono, antiga via que atravessava o parque, ameaçam a maior unidade de conservação da Mata Atlântica. Em 1986, a Justiça fechou a via para proteger o parque, que é o mais visitado do Brasil.
Os PLs 7123/2010 e PL 984/2019 propõem a reabertura da estrada para a criação de uma nova categoria de unidade de conservação, a de Estrada-Parque. A reabertura do trecho, de aproximadamente 18 quilômetros, causaria prejuízos incalculáveis à biodiversidade local, alertam especialistas.
Unido pelo Rio Iguaçu ao Parque Nacional Iguazú, na Argentina, o parque brasileiro integra o mais importante contínuo biológico do Centro-Sul da América do Sul, com cerca de 1 milhão de hectares de áreas naturais.
- Parque Nacional da Serra da Bodoquena
Em 2019, uma liminar extinguiu 80% da unidade de conservação. A ação, movida por antigos proprietários de terra da região, que foram desapropriados para consolidação do parque, decretava a caducidade de seu decreto de criação. Em 2020, a liminar foi caçada pela justiça, que acatou recurso do Ministério Público Federal (MPF).
Área de transição entre Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica, o parque abriga rica biodiversidade: 49 espécies de mamíferos, 39 de anfíbios, 26 répteis, 41 peixes e 353 aves. Também protege as nascentes dos principais rios da região.
UCs alteradas
Nos últimos quatro anos, duas leis foram aprovadas para alterar os limites de unidades de conservação. A primeira (14.447/2022), reduziu em quase 40% a Floresta Nacional de Brasília, no Distrito Federal. A unidade perdeu cerca de 4 mil hectares, que equivalem a 4 mil campos de futebol, ocupados pelos assentamentos rurais Maranata e 26 de Setembro.
Além de não compensar o território perdido, o texto aprovado prevê a exclusão de áreas de Cerrado nativo que não sofreram intervenção humana, embora a justificativa da redução seja a regularização fundiária. Criada em 1999, a Flona de Brasília abriga nascentes que alimentam a maior represa da região, a do Descoberto, responsável por aproximadamente 70% do abastecimento de água no Distrito Federal.
A segunda (14.452/2022) estabeleceu novos limites para o Parque Nacional da Serra dos Órgãos (Parnaso), no Rio de Janeiro. A Uc perdeu 169 hectares em áreas ocupadas por produtores rurais do vale do Bonfim, em Petrópolis, e do bairro da Barreira, em Guapimirim.
Ao contrário do que aconteceu na Flona de Brasília, a alteração dos limites do Parnaso garantiu a compensação em novos trechos preservados de Mata Atlântica. Em nota, o ICMBio, gestor do parque, informou que a mudança é uma demanda técnica e histórica do órgão.
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