Pesca fantasma: 640 mil toneladas de itens de pesca são despejados no mar por ano
Além dos efeitos nocivos da sobrepesca e pesca ilegal, as espécies marinhas enfrentam outra ameaça: a pesca fantasma, caracterizada pelo abandono, perda ou descarte de equipamentos de pesca no mar. Segundo levantamento realizado pela divisão brasileira do Fundo Mundial para a Natureza (WWF-Brasil), pelo menos 640 mil toneladas de redes, boias e anzóis, ficam à deriva nos oceanos todos os anos.
Também chamados de petrechos fantasmas, esses materiais poluem as águas, mutilam e matam milhões de animais, incluindo cetáceos (baleias e golfinhos), focas, tartarugas, peixes e aves marinhas. Muitas espécies ainda estão ameaçadas de extinção.
Depois da pesca comercial e das capturas acidentais, os equipamentos fantasmas são a maior ameaça ao bem-estar dos animais marinhos. Eles podem causar desde afogamentos até feridas debilitantes e infecções capazes de alterar o comportamento do animal e colocar sua vida em risco.
Em alguns peixes marinhos, estima-se que 5 a 30% do declínio populacional está relacionado à pesca fantasma. Isto em um cenário que 33% das populações pesqueiras mundiais estão superexploradas. O estudo alerta que o número tende a aumentar se nada for feito.
A pesquisa destaca que os distúrbios causados pela pesca não se restringem aos peixes e outros animais explorados comercialmente. Quase metade dos mamíferos marinhos ameaçados de extinção, presentes na lista vermelha da União Internacional para Conservação da Natureza (UICN), sofrem os impactos da pesca fantasma.
A megafauna marinha – composta de raias, tubarões e outros animais de grande porte – é um dos grupos que despertam maior preocupação, visto que possuem crescimento lento, maturidade sexual tardia e baixa fecundidade. “Devido às suas características biológicas e outros estresses causados por seres humanos, esses grupos podem apresentar grandes declínios populacionais em uma escala temporal curta (décadas), sendo que seu processo de recuperação demanda longos períodos”, indicaram os pesquisadores da WWF-Brasil.
Outro efeito da pesca fantasma é a pesca cíclica, que ocorre quando um animal preso em um petrecho fantasma atrai outras espécies – geralmente as que se alimentam de restos orgânicos – e estas também se enroscam nos equipamentos. Materiais de pesca que exigem a utilização de iscas, como gaiolas e potes, são os que mais provocam este fenômeno. Isto por que as armadilhas vão repondo suas iscas com a captura de novos animais, atraindo mais indivíduos e assim sucessivamente.
Brasil
No Brasil, a estimativa é que sejam produzidos quase 600 quilos de petrechos fantasmas diariamente, que podem impactar até 69 mil animais marinhos todos os dias. A rede utilizada na pesca artesanal e industrial foi apontada pelo estudo como a maior vilã, sendo um dos objetos mais descartados na costa brasileira.
A toninha (Pontoporia blainvillei), uma variedade de cetáceo, é uma das espécies brasileiras mais ameaçadas pela pesca insustentável. Por viverem próximas às praias, elas convivem com redes de pesca, barulho de embarcações, vazamentos de óleo e grande quantidade de lixo no mar.
Especialistas estimam que se nada for feito, em 15 anos a espécie poderá ser extinta. Um dos motivos é a captura acidental em redes de pesca – tanto em redes ativas, quanto fantasmas. Elas possuem bico pontudo, que se enroscam nas redes e, por não conseguirem subir para respirar, acabam morrendo afogadas em poucos minutos. De acordo com o estudo, anualmente centenas de toninhas morrem afogadas presas às redes de pesca de emalhe ativas e fantasmas.
O descarte de materiais de pesca ameaça também os animais da Amazônia. O estudo aponta que a intensificação do uso de redes de emalhe já é o fator de maior pressão para duas espécies de boto da região: o boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e o tucuxi (Sotalia fluviatilis), resultando em redução drástica de suas populações.
Lixo
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e a ONU Meio Ambiente estimam que cerca de 10% de todo lixo marinho global é composto por equipamentos fantasmas. Hoje, a maioria desses itens ainda é feita de plástico, que quando engolido causa bloqueio digestivo e desnutrição, podendo levar o animal a morte.
“O plástico possibilitou rápido crescimento da pesca, mas isso teve um preço: com o aumento da eficiência nas capturas ocorreu diminuição drástica dos estoques de pescados, bem como abandono de grandes quantidades de resíduos sintéticos que demoram a se decompor no ambiente, principalmente em rios e oceanos”, indicou a pesquisa.
Com o passar do tempo, equipamentos plásticos de pesca se fragmentam e tornam-se microplásticos. Por sua espessura ultrafina, eles se infiltram na cadeia alimentar marinha e contaminam todo o ecossistema. Pequenas partículas de cordas e malhas de pesca já foram encontradas no estômago de caranguejos e lagostas.
Algumas espécies, como os zooplânctons, são ainda mais vulneráveis ao microplástico, pois eles filtram o alimento da água e são incapazes de distinguir a comida de materiais sintéticos. Baleias, cuja alimentação se dá por sucção, também ingerem quantidades assustadoras de plástico. Muitas têm sido encontradas mortas com quilos do material no estômago. Ainda há o caso das aves, que além de ingerir, constroem seus ninhos com o lixo encontrado em zonas costeiras.
Mesmo inativos, os petrechos de pesca continuam liberando componentes químicos. Essas substâncias derivadas do plástico impactam taxas de reprodução, aumentam o risco de doenças e alteram hormônios dos animais.