Array
Opinião

Sustentabilidade global avança em 2021 e pressiona o déficit ambiental do governo Bolsonaro

Array

*Por Carlos Bocuhy

Os Estados Unidos já apresentam mudanças de postura na Organização Mundial de Comércio (OMC) e a agenda de sustentabilidade global ganha espaço. Com lucidez, os americanos estão propondo que países com maiores fragilidades ambientais devam ser penalizados nas exportações com medidas compensatórias. Dessa forma, o presidente eleito Joe Biden, europeus e chineses devem avançar com menos conflitos e há clima favorável para mudanças positivas.

A transformação civilizatória para um estágio de sustentabilidade deverá necessariamente substituir por energia limpa os motores da economia. Mickhail Gorbachev, em “Meu Manifesto pela Terra”, durante a virada do século, já afirmava a necessidade de medidas internacionais na área econômica que levassem em consideração fatores ecológicos e sociais, e que fossem “estabelecidas regras para um comércio internacional honesto que reforce as economias locais e contribua para a erradicação da miséria”.

Países que lucram com poluição e desmatamento podem vir a ser enquadrados nos tribunais, como forma de conter a produção que ocorre às custas do desregramento e baixa capacidade de aplicação de normas ambientais. O Brasil vem se aproximando negativamente desses requisitos, uma vez que as boas normas ambientais necessitam de implementação efetiva, como por exemplo eliminar a impunidade no desmatamento em decorrência da ineficácia da fiscalização, agravada com a falta de aplicação e execução das multas pelo Ibama.

Assim, a promessa sem sentido de Jair Bolsonaro de acabar com a eficácia do Ibama na aplicação de multas ambientais caminha no sentido de causar danos de monta à balança comercial brasileira.

De outro lado, a comunidade europeia avança em mecanismos de restrição ambiental à “importação de desmatamento”. Os acordos multilaterais para a área ambiental tendem a apertar os países que apresentem desconformidades ambientais em seus produtos de exportação. Com o atual governo, o Brasil angariou uma péssima imagem para seus produtos agrícolas, pastoris e extrativistas, que passaram a ser vistos com grande desconfiança no exterior, já que o risco de estarem associados à destruição ambiental é palpável.

As commodities brasileiras produzidas às custas da devastação do cerrado e no arco de desmatamento que pressiona e destrói a Floresta Amazônica são fatos evidentes e inúmeras vezes abordados pela imprensa nacional e internacional. Uma enorme devastação do cerrado para a produção de 100 mil toneladas de soja e seu curso até à mesa dos britânicos foi rastreada, documentada e comprovada pelo The Guardian, de Londres, em parceria com organizações não governamentais.

De outro lado, na Amazônia, o Sistema Nacional de Florestas (Sinaflor) só registra 10% da retirada da madeira da floresta e há fortes suspeitas sobre a falta de regularidade ambiental de 70% da produção. Mesmo assim, o governo brasileiro retirou a proteção do Ipê e fragilizou as exigências para exportação da produção madeireira. Esses fatos podem levar à penalização de todo o potencial de exportação de madeira brasileira.

Americanos, europeus e chineses avançam no mercado de regularidade ambiental em defesa de diretrizes que não permitam a concorrência desleal. É salutar e necessário, pois premissas de meio ambiente, componentes sociais e boa governança (ESG) guardam boa relação com a agenda de direitos humanos, sendo natural que isso floresça fortemente nos meios multilaterais estimulados pelas Nações Unidas, em Genebra.

Na OMC o Brasil também mudou sua postura, mas de forma relativa. Às vésperas do Natal, a representação brasileira começou a apresentar um comportamento atípico para o atual governo, ao propor maiores restrições para o setor pesqueiro, em evidente manobra defensiva, já que a China e a Europa defendem subsídios para o setor. É evidente que as negociações brasileiras nas normativas para o comércio internacional terão que passar por uma verdadeira mutação para que o Brasil possa sobreviver, mas não será com a simulação de atacar pontos menos nevrálgicos que resolveremos nossas pendências de regularidade ambiental. O Brasil deveria estar firmemente determinado a reestruturar seu sistema estatal de gestão e fiscalização para enfrentar o acirramento econômico que se aproxima – e que acabará por penalizar aqueles que produzem dentro das normas legais.

Ao fechar os olhos para a contravenção e a criminalidade na área ambiental, estimulando o sentimento de impunidade com declarações populistas no atendimento a setores que produzem de forma desregrada nas áreas de mineração e agrossilvipastoril, e ao estimular com discursos irresponsáveis a ocupação da Amazônia nos moldes militaristas dos anos 70, o governo de Jair Bolsonaro não apenas se revestiu da obsolescência colonialista que apenas era sussurrada nos porões menos lúcidos dos quartéis, mas elevou a nação brasileira a um status de fragilidade internacional inaceitável e que exige profunda revisão de seu sistema de gestão ambiental.

O que parece ser pior é uma evidente incapacidade de reação, já que o déficit ambiental brasileiro está profundamente ligado ao negacionismo científico e ao aparelhamento ideológico de crescimento a qualquer custo. Era de se prever que esta falta de sintonia com o mundo contemporâneo levasse à depauperada gestão ambiental governamental, empurrando o Brasil para um estágio de vulnerabilidade e de estagnação.

Inerte e preso em seu estado de ignorância sobre os caminhos da sustentabilidade, será impossível para este governo, por livre iniciativa, promover a recuperação brasileira. Restam-nos a Constituição Federal e o Poder Judiciário, não apenas para restaurar a normalidade e a ordem interna, mas também para garantir condições basilares para que o Brasil não seja massacrado, em seu estado vulnerável, pela lógica sem retorno do “level playing field”, de condições iguais para todos, que se consolida e se fortalece no mercado internacional.

Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).

Fonte: O Eco