Notícias

Agronegócio promove negacionismo climático com palestras pelo Brasil

Agronegócio promove negacionismo climático com palestras pelo Brasil
Luiz Carlos Molion afirma que "reduzir emissões não vai causar nenhum benefício para o planeta". Crédito: Geraldo Magela/Agência Senado

As emissões brasileiras de gases de efeito estufa cresceram 9,5% em 2020, enquanto no planeta inteiro elas despencaram em quase 7%, apontou o SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), do Observatório do Clima. Além de caminhar na direção oposta do mundo no combate às mudanças do clima, o negacionismo climático cresce no país com o aporte do agronegócio, que banca palestras para dizer que o aquecimento global “é uma farsa”.

Reportagem BBC News Brasil mostrou que associações do agronegócio estão promovendo palestras com negacionistas climáticos – destinadas a produtores rurais e estudantes – para difundir a falsa ideia de que o aquecimento da Terra é natural e não tem relação alguma com a ação humana.

O meteorologista e professor do departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) Ricardo Felicio e o professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Luiz Carlos Molion estão entre os palestrantes mais requisitados.

Em entrevista concedida após uma palestra realizada em 2019, Ricardo Felicio chegou a afirmar que “os objetivos [de quem fala em mudanças climáticas] são congelar os países em desenvolvimento. O Brasil é o principal foco dessas operações que envolvem meio ambiente e clima. A ideia da mudança climática e dessas questões ambientais são para segurar o nosso desenvolvimento”.

A palestra fez parte de circuito universitário intitulado “Aquecimento global, mito ou realidade?”, realizado em nove faculdades e dois sindicatos no Mato Grosso. O circuito contou com outras 11 palestras. Todas foram bancadas pela Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja e Milho) do Mato Grosso.

Em resposta à BBC News Brasil, o vice-presidente da Aprosoja Mato Grosso, Lucas Beber, disse que convidou Felicio para “fazer um contraponto com aquilo que é replicado na mídia hoje, que parece uma verdade absoluta”. “A gente não queria impor aquilo como uma verdade, mas sim trazer a um debate”, disse.

Em 2020, o meteorologista foi convidado para outro evento, o Tecno Safra Nortão 2020, organizado pelo sindicato rural de Matupá, também no Mato Grosso. O vice-presidente do sindicato, Fernando Bertolin, defendeu o convite dizendo que Felicio estava “bem forte na mídia” e que sua palestra “foi um pedido dos produtores”. “Ele tem o embasamento teórico dele e a gente queria saber por que ele dizia aquilo”, afirmou Bertolin.

Luiz Carlos Molion também esteve em palestras em todo o Brasil nos últimos três anos, promovidas por entidades como a Cooperativa Agrícola de Unaí, em Minas Gerais, a Associação Avícola de Pernambuco, a Associação de Engenheiros e Arquitetos de Itanhaém, com o patrocínio oficial do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo e o sindicato rural de Canarana, no Mato Grosso. O professor também se apresentou em universidades federais, incluindo as de Minas Gerais (UFMG) e Paraíba (UFPB).

Grande parte das palestras está disponível no YouTube. Nelas, Molion afirma que o clima “varia por causas naturais” e que “eventos extremos sempre ocorreram”. Em um dos eventos, o professor disse que “reduzir emissões como quer esse Acordo de Paris de 2015 é inútil, o Brasil tinha que pular fora porque reduzir emissões não vai causar nenhum benefício para o planeta, para o clima, porque o CO2 não controla o clima”.

Um dos últimos seminários que participou, organizado pelo Instituto General Villas Bôas, contou com a presença do vice-presidente, Hamilton Mourão, e o ministro de Infraestrutura, Tarcisio Freitas. Na ocasião, Molion afirmou: “CO2 não é vilão, quanto mais CO2 tiver na atmosfera, melhor”.

Notícias relacionadas:

Aquecimento global afeta 28% das lavouras no Centro-Oeste

Brasil promete reduzir 50% das emissões até 2030, mas corta verbas para pesquisas sobre mudanças climáticas

Com desmatamento na Amazônia, agronegócio pode perder R$ 5,7 bilhões por ano