Opinião

Não há mal que dure para sempre

*Marc Dourojeanni

Você é um ambientalista. Mais ainda, você é um profissional do ambiente e dedicou toda sua vida para proteger a natureza e harmonizar desenvolvimento e ambiente. Você sabe que o futuro da humanidade é cada dia mais difícil e que o tão temido tempo do apocalipse se aproxima inexoravelmente, impulsionado pela monumental e irremediável imbecilidade humana. Sabe que esse comportamento é comum também no seu próprio país, muitas vezes liderado pelos governos.

Você sempre soube como combater o maltrato ao meio ambiente. Ainda que nunca com a eficiência desejada, soube como ser e se sentir útil na luta por um futuro melhor. Por isso combateu o discurso e a prática da esquerda falsificada, salpicada de corrupção, que levaram o seu país a um grande buraco, um vazio de papo furado com conotações vermelhas que pareciam cuidar do entorno natural, mas que, na prática, só agravaram as suas preocupações ambientais. Então achou que era tempo de mudar, quiçá virando um pouco para a direita, no intuito de encontrar o tal do equilíbrio, da esperança. Assim foi como, na última eleição, você provavelmente votou convicto de que não poderia ser pior. Mas, a virada foi demais. E, agora, ante a incessante e volumosa avalanche de decisões, propostas e declarações estapafúrdias sobre temas ambientais, você não sabe mais o que fazer. E não é o único!

Os novos governantes, no tema ambiental não parecem ser de direita e nem sequer da ultradireita… são piores, pois parecem ter perdido a razão. Nestes primeiros três meses e pouco mais do governo atual, a sucessão de erros garrafais realizados, anunciados ou propostos tem superado tudo o que o mais imaginativo dos esquerdistas poderia ter inventado para denegrir a direita. Os do antigo regime não têm que se complicar a vida para ver erros na condução atual da área ambiental. Que outra coisa é negar o fato da mudança do clima, permitir o uso livre de agrotóxicos proibidos no mundo civilizado, propor eliminar a reserva legal, permitir explorar espécies marinhas já quase extintas, facilitar o desmatamento de áreas de preservação permanente, pretender eliminar ou reduzir unidades de conservação, retirar a proteção das terras indígenas e tentar abri-las para toda forma de uso, permitir exploração de petróleo ou minerais em áreas de alto risco ambiental, maltratar o pessoal que no campo faz cumprir as leis da nação, perdoar multas e dificultar a apreensão de meios usados para atos ilegais, descumprir compromissos internacionais, não fazer nada para melhorar o saneamento urbano, difamar as organizações não governamentais, atacar a cooperação técnica internacional que mais apoia o país!!!

A lista não tem fim, e provém de todos os lados do governo e inclusive dos seus membros no Congresso. E é alegremente imitada nos estados, como no Tocantins. Lamentavelmente a grande massa da cidadania, essa mesma que vota sem pensar por um extremo e logo pelo outro, participa do processo sem reagir e até aproveita do pânico, como ocorre neste momento com os invasores da terra dos Uru-eu-wau-wau em Rondônia e, por certo aproveitam garimpeiros, madeireiros, caçadores e pescadores em todo o Brasil, animados pelas declarações presidenciais. E melhor é nem falar dos empreiteiros e políticos, ávidos por obter “sem problemas” suas licenças ambientais.

Alguns dizem que as propostas ou decisões estapafúrdias, que proliferam tanto, não são erros nem expressões caóticas dos sem-razão. Sustentam que, pelo contrário, são medidas bem pensadas e calculadas para cumprir o plano de enriquecer ainda mais a uns poucos, aqui ou no exterior. Mas, fazê-lo à custa do próprio futuro de brevíssimo prazo ‒ por exemplo, a perda de mercados para a produção agropecuária ‒ é um suicídio tão óbvio que não parece possível. E um aproveitar geral. Como se, e de fato é, alguém tivesse dito “a natureza já não serve para mais nada, igual vai desaparecer e o ambiente não é problema sério, pode esperar”. E tivesse complementado dizendo “Vamos todos aproveitar antes de que o mundo se acabe, vamos desfrutar antes de enfrentar o julgamento final”. E outros pensam que o anterior é exagero, que a esquerda com apoio da imprensa inventa quase tudo o que se escuta, lê e vê. Que isso pode ter um pouco de verdade, é verdade. Mas, isso não muda o fato de que este governo, que parece ter políticas sensatas em outros setores, parece ter concentrado toda sua loucura e raiva suicida contra o ambiente.

Você, como quem escreve esta nota um tanto desesperada, não sabe mais o que fazer. A maratona de artigos, comentários radiais e televisados ou nas redes sociais, denunciando as barbaridades ou acudindo a justiça, sempre lerda, não tem nenhum eco nas autoridades. Nada é efetivo contra um establishment que simplesmente decidiu não ler, não escutar e não ver; que se sente acima de tudo e que é acompanhado pela inércia cega de grande parte da sociedade. Com efeito, o tema ambiental não comove as massas latino-americanas. Aqui não serão feitas greves ou grandes manifestações que sacudam o poder, como as que acontecem agora mesmo na Inglaterra e em outros países da Europa. A democracia na região, embotada pela ignorância que gera indiferença, não tem mecanismos efetivos para “fazer algo” num caso destes.

Então, fazer o que? Esperar. Neste caso o principal remédio é o tempo e a resistência. Não há mal que dure tanto, embora nesta ocasião o tempo é curto e os recursos e as oportunidades que se perdem não se recuperarão. Por enquanto, ainda que pareça derrotada por antecipado, a luta deve continuar e, apesar que os aludidos não queiram entender nem atender, deve-se perseverar teimosamente na crítica e nos bons exemplos. É fundamental documentar bem o que acontece e fazer planos em preparação para novos tempos. Deve-se cooptar o povo para essa luta, aprofundando a educação sobre a realidade do planeta e do país. Um dia ou outro os que estão fazendo o que agora fazem vão pagar por isso. O dano aumenta irreparavelmente dia a dia, mas se pode esperar que virão dias melhores, nos que a inteligência tenha proeminência sobre a cobiça cega e a estupidez.

*Marc Dourojeanni é consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interamericano de Desenvolvimento e fundador da ProNaturaleza

Fonte: O Eco