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Opinião

Minas livre para favorecer

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*Maria Dalce Ricas

Em 15 de outubro de 2020, o Governo Zema revogou o decreto que demandava prévia anuência do Estado em projetos de parcelamento em áreas de interesses especiais. O resto é história.

Em 1998, o Governo de Minas publicou o Decreto 39.585, estabelecendo necessidade da prévia anuência do Estado a projetos de parcelamento (loteamento ou desmembramento), em áreas de interesses especiais, situadas em áreas limítrofes de municípios ou em áreas pertencentes a mais de um município, em regiões metropolitanas e em Áreas de Proteção Ambiental (APAs). Em 15 de outubro de 2020, o Governo Zema o revogou através do Decreto 40.063.

O primeiro decreto foi discutido com a sociedade, por meio do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM). O outro não. Como se diz, foi feito na “calada da noite”, para atender sobremaneira o setor imobiliário. Em ofício encaminhado à Associação das Empresas de Loteamento e Desenvolvimento Urbano de Minas Gerais (AELO), endereçado ao seu presidente, Flávio Guerra, um dia após a publicação, Douglas Cabido, subsecretário estadual de Desenvolvimento Regional comunica que “…considerando a proposição dessa, cumpre dizer que a esse respeito, foi publicado no “Minas Gerais” do dia 16 de outubro de 2020 o Decreto Nº 48.063/2020” que revogou o “Decreto nº 39.585, de 11 de maio de 1998, objeto de proposição dessa AELO.

Desta forma, e dentro do fluxo do programa “Minas Livre Para Crescer”, informo que a proposição dessa AELO foi efetivada com êxito, seguindo os ditames do Decreto Estadual Nº 4776/2019 que Institui o Programa Estadual de Desburocratização – Minas Livre Para Crescer/MLPC e a Resolução SEDE Nº 11/2020.

E completa dizendo que “A contribuição dessa AELO e dedicação do MLPC empreendidas ao longo dos trabalhos consolidaram a entrega da implementação da proposição que, inclusive, é uma conquista para a sociedade mineira como um todo…”.

“A sociedade mineira não é formada somente pelo setor imobiliário. Já o meio ambiente pertence a todos”

A revogação não foi por acaso. Logo depois o governo anunciou o projeto do Rodoanel Metropolitano de BH, cujo traçado no Vetor Norte, fica a 5 km de distância da APA (Área de Proteção Ambiental) Cárstica de Lagoa Santa, objeto de cobiça da especulação imobiliária. A burla do Decreto 39.585 foi comum no setor. Mas ele era o parâmetro jurídico que permitia à sociedade e ao Ministério Público atuarem nos casos que vinham a público. A expansão urbana no Brasil tem sido responsável pela destruição de muitos ambientes naturais valiosos e no caso, a revogação do decreto, aliada à fragilidade do licenciamento ambiental e conivência entre municípios e empresas imobiliárias, facilitará ainda mais o avanço sobre a região de Lagoa Santa, destruindo seu inigualável patrimônio científico e ambiental.

No ofício à AELO, o subsecretário afirma que a revogação é uma “conquista para a sociedade mineira”. Talvez ele precise ser informado que a sociedade mineira não é formada somente pelo setor imobiliário; e que a Constituição Brasileira declara que o meio ambiente pertence a todos. Mas é besteira. É claro que ele sabe o que diz e reflete a visão de como equivocadamente e atrasado, o governo ainda vê a legislação ambiental: como obstáculo. E não como avanço, em termos de sustentabilidade que, lato senso, significa sobrevivência. A sobrevivência do planeta e de todos nós.

Esta “conquista” é, infelizmente, mais uma prova de que por aqui a boiada já passou diversas vezes. Passou em silêncio. Somente nos corredores do poder.

*Maria Dalce Ricas é superintendente executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda)

Fonte: Revista Ecológico