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Opinião

Atual proposta para mineração em terras indígenas ameaça a conservação do meio ambiente e direitos indígena

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*Por Ana Rorato e Juliana Siqueira-Gay

Recentemente, após a eleição do novo presidente do Congresso Nacional, algumas pautas foram apresentadas como prioridades do governo Federal, entre elas a aprovação da PL 191/2020.

Atualmente, cerca de 176.000 km² das terras indígenas da Amazônia Legal estão sob solicitação para exploração mineral (Rorato et al., 2020). A proposta de lei do governo federal para permitir mineração e outras atividades econômicas em terras indígenas, PL 191/2020 (Poder Executivo do Brasil, 2020), que regulamenta esses e outros pedidos para exploração mineral poderia afetar diretamente e indiretamente 863.000 km² de florestas, 20% a mais do que as atuais tendências de mineração (Siqueira-Gay et al., 2020). As florestas a serem afetadas são responsáveis por prover 5 bilhões de dólares anualmente em benefícios como produção de alimentos, matérias primas, bem como regulando o clima global e mitigando emissões de gases de efeito estufa.

Considerando as etnias indígenas mais ameaçadas por futuras atividades de mineração caso o PL seja aprovado, a etnia Yudjá possui cerca de 87% do seu território sobreposto por áreas solicitadas de mineração, seguida pelas etnias Kayapó, Apalaí, Wayana e Katuena, com 58%, 52%, 52% e 47% de seus territórios a serem afetados. Em termos de extensão territorial, as etnias com as maiores áreas de solicitação de mineração em seus territórios são Kayapó com ≈62,3 mil km², Yanomami com ≈33,3 mil km², Apalaí e Wayana com ≈22,3 mil km² e Katuena com ≈18,6 mil km². Em relação às terras indígenas com maior potencial de serem afetadas pela mineração, destacam-se a TI Cajueiro (RR), TI Araça (RR), TI Boqueirão (RR), TI Aningal (RR), TI Truaru (RR), TI Barata Livramento (RR), TI Sucuba (RR), TI Pium (RR), TI Xikrin do Rio Catete (PA), TI Anta (RR), TI Baú (PA) e TI Mangueira (RR); onde os pedidos de mineração sobrepõem 90% ou mais dessas terras indígenas (Rorato et al., 2020).

A mineração é uma atividade que causa diversos impactos socioambientais. A construção de infraestrutura para exploração mineral, como escavações, barragens de rejeitos e pilhas de estéreis desmata diretamente florestas e outras vegetações nativas de grande importância para biodiversidade. Além disso, outros projetos necessários para suporte da construção e operação dos projetos como estradas e ferrovias, podem resultar em áreas desmatadas muito maiores do que a mina em si, fragmentando florestas e impactando a biodiversidade da região. Além dos impactos na vegetação, a exploração mineral pode contaminar cursos d’água, os solos e a vida selvagem por meio do lançamento de resíduos tóxicos e metais pesados, ameaçando a saúde e a disponibilidade de alimentos para os povos indígenas. Caso seja aprovado, o PL 191/2020 tem grande potencial para aumentar a vulnerabilidade das populações indígenas, expondo ainda mais esses povos a situações de conflitos, de violência e de contágio de doenças como já foi observado em terras indígenas onde há a presença de garimpeiros ilegais. Apesar das evidências a respeito dos potenciais impactos do PL e da rejeição majoritária dos povos indígenas em abrir suas terras para a mineração, há intensa pressão para que o projeto de lei seja aprovado pelo Congresso brasileiro.

O texto atual do PL possui uma série de deficiências, deixando em aberto diversas regulamentações, bem como não versa sobre salvaguardas ambientais e sociais. Não há menções sobre diretrizes para estudos de impacto ambiental ou demais estudos ambientais que poderiam vir a ser exigidos no âmbito do licenciamento ambiental de futuros projetos a serem desenvolvidos nessas áreas. É preocupante que boas práticas internacionais não sejam exigidas para a devida avaliação dos impactos de maneira a garantir conservação dos ecossistemas e proteção dos direitos das comunidades indígenas.

De acordo com o PL 191/2020, as populações indígenas seriam consultadas antes do início das atividades de mineração; no entanto, elas não teriam poder de veto à mineração industrial caso o governo federal considere a atividade nesse território como de “interesse nacional”. O PL proposto contradiz a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas das Nações Unidas (ONU) assinada pelo Brasil que estabelece que os povos indígenas têm direito a Consulta Livre, Prévia e Informada, o que lhes permite concordar ou rejeitar medidas administrativas, legislativas, ou projetos que afetem seus territórios e meios de subsistência. Tais direitos também estão consagrados na Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais No.169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT 1989), que foi ratificada pelo Brasil em 2004, mas revogada pelo atual governo através do Decreto nº 10.088, de 2019.

O atual texto do PL 191/2020 prevê compensação financeira para os povos indígenas a depender do tipo de projeto a ser desenvolvido em seu território. A experiência de outros países (Estados Unidos, Canadá e Austrália) onde atividades de mineração em terras indígenas foram regularizadas tem mostrado que muitas vezes a relação entre as comunidades indígenas e as grandes empresas de mineração se dá de forma desproporcional, em que aqueles têm pouco ou nenhuma estrutura e poder de negociação de seus direitos, estando assim, em plena desvantagem.

Ainda, segundo o PL proposto, apenas as terras indígenas oficialmente homologadas por decreto presidencial se enquadram nos termos desta lei, enquanto as terras indígenas que aguardam a regularização demarcatória por parte do Estado poderiam ser abertas para a mineração sem consulta prévia das populações indígenas. No Brasil, a regularização e demarcação das terras indígenas é um processo moroso que pode levar décadas para ser finalizado. Atualmente, diversos povos indígenas encontram-se em situação de vulnerabilidade fundiária sem o reconhecimento de seus territórios. A PL 191/2020 ameaça o direito dos povos indígenas que ainda não tiveram seus territórios demarcados por omissão do Estado e ignora o fato de que os direitos territoriais dos povos indígenas independem da demarcação administrativa de suas terras, como é preconizado pela Constituição Federal e recente determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).

Dessa forma, reiteramos a necessidade da reconsideração das atuais intenções do governo de abrir as terras indígenas para a mineração e recomendamos que sejam revistos os atuais mecanismos e proposições. A compensação financeira não pode compensar a perda de bem-estar, meios de subsistência e violação dos direitos dos povos indígenas.

Terras indígenas não abrigam apenas áreas de grande valor natural, com um papel crucial na provisão de serviços ecossistêmicos, elas também são território de uma diversidade de grupos étnicos e suas inestimáveis riquezas culturais que estão sob ameaça dessa proposta de lei.
A obrigação do governo é fazer cumprir as leis e regulamentos existentes que colocam os direitos e meios de subsistência indígenas acima da consideração econômica e não reduzir essas proteções.

Fonte: EcoDebate