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Opinião

Fake Sciences e manipulação tentam encobrir as queimadas na Amazônia

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*Lucas Ferrante

Você já deve ter se deparado com alguém que compartilhou alguma tabela no Instagram ou texto no Facebook com dados retirados do projeto Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), acompanhado de estatísticas que “demonstram” que não houve aumento real das queimadas ou que estão dentro da média. Mas realmente essas análises são confiáveis ou estariam certas? A resposta é NÃO!

O aumento de queimadas na Amazônia é real e atípico em 2019 em relação aos anos anteriores. Antes, é preciso deixar claro que os dados do INPE são confiáveis e verdadeiros e isto não está sendo colocado à prova. O que se questiona aqui são algumas notícias ou “pesquisadores” que têm utilizado os dados do INPE para produzir Fake Sciences que induzem o leitor a não perceber o aumento do número de focos de queimadas.

Primeiro, a maioria das análises utiliza uma série temporal longa, com base nos dados diários dos números de focos de queimadas do projeto Queimadas do INPE e é aqui que precisamos ter a primeira cautela. De acordo com o INPE, as séries diárias utilizaram dois satélites de referência, o NOAA-12, que utiliza o sensor AVHRR de 01 junho 1998 a 03 julho 2002 e o satélite AQUA M-T, que utiliza o sensor MODIS desde 04 de julho de 2002 até a presente data. Entretanto, o maior problema em considerar análises temporais longas é que elas não distinguem outliers, ou seja, amostras anômalas como as geradas pelos anos de ocorrência de El Niño, onde devido a influência dos eventos climáticos o número de queimadas é maior, o que não é o caso de 2019.

Em segundo, análises temporais muito longas não consideram as mudanças de políticas públicas ambientais no Brasil, que tiveram um efeito significativo na redução do desmatamento e, consequentemente, na queda no número de queimadas desde 2004.

Quando observamos a série histórica para a Amazônia, vemos que 2004 e 2005 foram líderes de ocorrência de queimadas. Porém, uma nova política ambiental de redução do desmatamento foi criada nestes anos e resultou em uma diminuição significativa nas queimadas nos anos seguintes.

Desta forma, se considerarmos a série histórica entre todos os anos, não conseguimos detectar o aumento de 2019, o que já é errado pois as queimadas ocorrem essencialmente no período seco amazônico, que começa em agosto e excluiria as queimadas que ainda devem acontecer até o fim do ano. Quando comparamos os dados em um intervalo de tempo como de 1 de janeiro até 28 de agosto, ano a ano, observamos um aumento de 123% nos focos de queimadas para 2019 em relação a 2018. Sendo que 2017, apresentou 10% menos queimadas que 2016, e 2018 apresentou 37% menos queimadas que 2017, ou seja, havia uma tendência na diminuição das queimadas na Amazônia, o que faz com que o aumento de 123% seja anômalo com a tendência observada nos anos anteriores (veja a tabela a seguir extraída do próprio site do INPE).

O aumento de queimadas também aumentou significativamente nos outros biomas brasileiros, com exceção da Caatinga.

De olho na média

Se você se deparou com algum post no facebook ou Instagram, utilizando a tabela de série histórica e demonstrando que 2019 tem uma média de queimadas dentro da média histórica, duas coisas têm que ser consideradas. Primeiro, 2019 ainda está em agosto, o primeiro mês da seca Amazônica e onde se iniciam as queimadas, já para os outros anos, foi considerada a média total dos meses do ano. Desta forma, considerar as médias não pode ser considerada uma análise confiável, pois exclui meses de 2019 que ainda se espera um grande número de focos de queimadas e tenderia a aumentar a média de queimadas para o ano. Assim, a análise subestima a média anual do número de focos de queimadas para 2019, por não contabilizar vários meses que se espera um número maior de queimadas em relação aos primeiros meses do ano.

O próprio site do INPE fornece um gráfico com as comparações de médias do número de focos de queimadas, entretanto, como já dito, 2019 AINDA não inclui os valores do mês de setembro e outubro, em que se espera um grande número de queimadas, o que tendencia a média ser um reflexo principalmente dos primeiros meses do ano, que estão na estação chuvosa amazônica e não apresentam um grande número de focos de queimadas.

Se você ainda não está convencido, façamos uma conta juntos, vamos trabalhar com os dados de 2004, o ano com maior pico de queimadas da história. Agora, faça uma média entre todos os meses de 2004 e uma segunda média considerando os meses de janeiro até agosto. Considerando todos os meses, a média é de 18.220 focos de queimadas, se considerar as médias de janeiro a agosto do mesmo ano você terá 9.980 focos de queimadas, ou seja, a média é o dobro do valor quando acrescentados todos os meses da seca amazônica, onde ocorrem mais queimadas.

Se ainda não está convencido, vejamos com os dados de 2018. A média de focos de queimadas considerando todos os meses de 2018 é de 5.695 focos de queimadas, mas quando consideramos os dados de janeiro a agosto a média é de 2.771 focos de queimadas, novamente metade do valor, pois excluiu os meses com maior número esperado de focos.

Vendo estas análises e sabendo que a comparação de médias de número de focos até este agora ignora o período da seca amazônica, onde ocorrem mais focos de queimadas, observamos que esta não é uma análise adequada para determinar se as queimadas aumentaram ou diminuíram. Isto ainda nos revela o pouco conhecimento estatístico e sobre a Amazônia ou má intenção de “profissionais” da área ambiental que utilizam os dados do INPE de forma inadequada para sugerir que não houve um aumento dos focos de queimadas em 2019.

Compartilhar análises que não tenham como fonte artigos científicos revisados pelos pares e publicados em revistas indexada não contribuem para as políticas ambientais do Brasil ou esclarecimento da população. Nos últimos dias, temos observado pessoas e empresas compartilhando publicações que não refletem a realidade da situação Amazônica. Isto indica apenas dois cenários, uma intenção maliciosa de esconder o retrocesso ambiental ou falta de capacidade técnica em analisar os dados de forma crítica por aqueles que publicam estas “informações”. Entender o retrocesso ambiental que o Brasil vive é crucial se desejamos preservar a Amazônia.

*Lucas Ferrante é doutorando em Ecologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e pesquisador associado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Serviços Ambientais da Amazônia (INCT-SERVAMB).

Fonte: O Eco