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Opinião

O que o calor em Paris tem a ver com o fim das sacolas plásticas nos supermercados do Rio?

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*Amelia Gonzalez

A capital francesa está vivendo dias de calor intenso, uma espécie de “Paris-40 graus”. Seria um chiste, se eu não estivesse falando sobre um sofrimento intenso de uma população que absolutamente não está preparada para uma temperatura tão alta.

É mais ou menos como se tivéssemos, aqui no Rio de Janeiro, um frio abaixo de zero durante um período. Os hospitais ficariam cheios de pessoas com revezes próprios de uma temperatura tão baixa, e, possivelmente, teríamos mortes de moradores de rua e idosos pouco preparados para mudança tão grande em seu corpo.

Portanto, sem brincadeiras. Calor excessivo para uma cidade que não tem estrutura para aguentá-lo, é um sofrimento.

E é disso que se trata quando os ambientalistas e cientistas alertam para uma questão que muitos fazedores de políticas públicas ainda teimam em negar. As mudanças climáticas já estão tornando o planeta menos agradável para os humanos. E, já que o incômodo ocorre de Norte a Sul, já que a atmosfera é uma só e precisa de cuidados, não dá mais para tratar reuniões de clima globais, como as que a ONU convoca, como encontros de menor importância que merecem, no máximo, a página dois.

E não é só Paris que vive seus dias de clima tropical. Segundo reportagem publicada no britânico “The Guardian”, os meteorologistas esperam temperaturas máximas também na Áustria, Bélgica, República Tcheca, Dinamarca, França, Alemanha, Luxemburgo, Holanda e Suíça, com recordes de todos os tempos em alguns desses países.

É pior, segundo eles, quando o verão já começa quente desse jeito: os organismos humanos não têm tempo de se acomodar aos poucos com as temperaturas mais altas.

Além disso, tem a poluição do ar. Um relatório do Alto Conselho para o Clima publicado ontem pela primeira vez alerta para o fato de que a França só conseguiu baixar 1,1% suas emissões de gases poluentes desde que assumiu compromissos mais graves no Acordo de Paris em 2015. Em poucas palavras, não levou muito a sério a urgência climática, que durante a reunião naquele ano, praticamente todos os países das Nações Unidas, juntos, declararam que começariam a enfrentar seriamente.

O Reino Unido, que por enquanto não está sofrendo com a onda de calor desses dias, também se preocupa com a poluição do ar, já que relatório recente publicado na revista “Environmental Research Letters” mostrou que as intervenções de políticas públicas nos últimos 40 anos não foram suficientes para livrar os britânicos de poluentes atmosféricos: todos estão acima dos limites legais na maioria das áreas urbanas.

Estima-se que 36 mil pessoas morram, por ano, por conta da poluição do ar no Reino Unido.

Já o calor excessivo matou, em Paris, na última onda forte que aconteceu em 2003, 15 mil pessoas. De lá para cá, os parisienses passaram a ser alertados freneticamente pelas autoridades quando a temperatura aumenta.

Cartazes são espalhados pelas ruas, instruindo as pessoas para beberem água, evitarem ingestão de álcool, manterem seus corpos úmidos, a casa fresca (fechando a persiana durante o dia), evitarem fazer exercícios, sair à rua em pleno sol e procurarem, sempre, saber notícias de entes queridos que morem sozinhos.

Sim, para os parisienses e outros europeus pouco acostumados, 40 graus é uma calamidade.

Enquanto isso, aqui no Rio vivemos um inverno quente. Já estamos no fim de junho, e nem sinal de casacos pesados nas ruas. Sob a influência do El Niño, fenômeno que aquece as águas do Oceano Pacífico acima do normal, por aqui teremos dificuldades de sentir, pelo menos, um friozinho que nos faça esquecer o verão escaldante que atravessamos e que, como tem sido, foi o maior de todos os tempos.

De novo: não é só uma questão de sentir mais ou menos conforto. É, também, de doenças que estamos falando. Quando o calor não vai embora, os mosquitos que causam Dengue e Chikungunya também se sentem convidados a ficar por mais tempo. Este ano, o Rio de Janeiro registrou aumento de 80% no número de casos de Chikungunya em relação ao mesmo período no ano passado.

E se estamos falando de políticas públicas que possam tentar minimizar este caldeirão de problemas que nos rodeiam, causados pelas mudanças climáticas, não podemos deixar de mencionar que hoje, na cidade do Rio de Janeiro, já está proibido aos supermercados fornecerem sacolas plásticas.

Mas, de que maneira essa medida vai contribuir para minimizar os efeitos trágicos que as mudanças climáticas estão impondo aos humanos?

Em primeiro lugar, porque o simples gesto de se lembrar de pôr no bolso uma sacola de pano sempre que for ao supermercado, ou de juntar caixas de papelão ou outra forma, será uma mudança de paradigma. E este tipo de reflexão já é muito bom para trazer, no bojo, outras atitudes que possam contribuir e fazer despertar o sentido, novo, de se viver num estado muito menos confortável do que vivemos.

O autor Luiz Marques, de “Capitalismo e Colapso Ambiental” (Ed. Unicamp), livro sobre o qual ando me debruçando (são 711 páginas de informações relevantes, o que explica minha demora em devorá-lo por inteiro) lembra que um novo contrato natural exige dos habitantes do planeta ter autonomia… “que nos reconcilie filosoficamente com a finitude da biosfera, de maneira a nos concebermos e nos comportarmos, enfim, como espécie entre espécies”.

Em segundo lugar, o fim das sacolas plásticas nos supermercados do Rio está ligado à mudança do clima porque, segundo um relatório recente da ONG “Center of International Environmental Law” (Ciel), o setor do plástico é a segunda maior fonte industrial e a que mais cresce de gases do efeito estufa, e 99% do que compõe o produto deriva de combustíveis fósseis.

Ainda segundo o estudo, se a expansão da produção petroquímica e de plásticos prosseguir, até 2050 o produto será responsável por 10% a 13% do “orçamento carbônico” total. Ou seja, de toda a poluição.

Comecei este texto falando sobre o calor em Paris e em várias outras localidades da Europa e termino falando sobre o fim das sacolas plásticas nos supermercados do Rio de Janeiro.

É assim este novo paradigma civilizatório que se quer. Há um big problema que nos ronda a todos e, pelo menos neste assunto, que já deve ser considerado prioritário na formulação e execução de políticas públicas, estamos todos no mesmo barco. Hora de se perceber isto.

*Amelia Gonzalez é jornalista

Fonte: G1