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Opinião

A monocultura e os agrotóxicos no banco dos réus

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*Amelia Gonzales

Não é nada fácil atrair a atenção dos leitores para assunto que não seja futebol depois de uma rodada onde o Brasil ganhou. Quem, neste imenso país, quer se incomodar agora – depois de uma catarse nacional proporcionada pelos gritos de gol – com questões de meio ambiente? Ou de economia sustentável? Ou de planejamentos de bem estar para a sociedade que amanhã acorda, pega o trem ou a enxada, e segue trabalhando a despeito da vitória ou derrota da seleção?

Não. Agora é hora de comemorar, de tomar uma cerveja, de sonhar com a vitória macro, o hexa, que nos elevará à categoria de campeões seis vezes!!! E de se preparar para o feriadão que virá, porque nenhuma empresa há de obrigar funcionários a trabalhar num dia decisivo como será segunda-feira (2), em batalha campal contra o México, em Samara. O jogo será às 11h! E é óbvio que, como aconteceu quando a disputa foi contra a Costa Rica na sexta-feira passada (22), nem antes, nem depois, haverá trabalho. E vida que segue, com crise ou sem crise. Assim é o Brasil, assim é a Copa do Mundo.

Entendo. E, assim mesmo, persisto. Volto minhas vistas para a Inglaterra, que amanhã vai enfrentar a Bélgica num mata-mata, até onde sei. Nas terras britânicas está acontecendo um incêndio de proporções gigantescas, segundo informações do site do "The Guardian", o que não chega a ser nenhuma novidade porque o verão europeu tem sido marcado por esta calamidade. Sim, é uma calamidade. O incêndio é numa área florestal, a Grande Manchester, que está passando por uma onda de calor, com temperaturas que devem chegar a 29 graus, ressecando extremamente o solo, um terreno árido.

George Monbiot, principal colunista de meio ambiente do jornal britânico, apressou-se a apontar o principal motivo que pode ter levado ao fogo. Há uma prática, segundo ele aplicada pela elite britânica, de caçar perdizes no ambiente onde o fogo está cruelmente atingindo fauna e flora. Para caçar as tais perdizes, é preciso preparar o terreno, o que inclui a plantação de uma vegetação única, muito suscetível ao fogo.

"O que está acontecendo em Saddleworth Moor é um acidente anunciado, uma espécie de caixa de fogo feita pelo homem", escreve Monbiot.

O ativista ambiental britânico Guy Shrubsole concorda com Monbiot. Segundo ele, os locais de incêndio estão intimamente relacionados com lugares gerenciados para essa prática, quase medieval, de soltar pássaros para que pessoas possam se divertir atirando e matando.

A espécie escolhida pela elite britânica para a matança em série é a perdiz vermelha, um pássaro belíssimo. Para isso, as pessoas pagam um bom dinheiro, e é claro que a atividade atrai "comerciantes" interessados em patrocinar o prazer aos endinheirados.

"Isso geralmente envolve a preparação do terreno, tem que ser feita a drenagem de solo pantanoso e o corte e queima da mata para manter uma monocultura de vegetação baixa. Esse habitat artificial, como observa a Comissão Florestal, é altamente suscetível a incêndios florestais", escreve o colunista.

Se não fosse necessário "preparar o terreno" para a matança de aves, o solo seria mais úmido, cheio de bosques, o que tornaria mais difícil que o fogo se alastrasse.

Monbiot clama por um inquérito público que possa elucidar a causa do desastre. E foca sua crítica diretamente sobre o secretário de Meio Ambiente, Michael Gove, homem que alardeia preocupação com o bem-estar humano e animal. Se for verdade, diz o jornalista, é preciso que ele mande proibir imediatamente o espetáculo da matança das perdizes.

Faz sentido. E é importante observar que a monocultura, novamente, está no banco dos réus. Trata-se de uma prática que não só permite incêndios, como também abre caminho para as pragas, que precisam ser combatidas por venenos. E, aqui, entramos num assunto que diz respeito ao nosso time, o brasileiro.

Foi aprovado pela Comissão especial da Câmara o Projeto de Lei que flexibiliza ainda mais a compra de agrotóxicos – como se fosse necessário, já que o Brasil é o país que mais usa este tipo de química extremamente ofensivo à saúde humana. O projeto segue agora para a votação em plenário, e os que o defendem dizem que o texto vai "modernizar a legislação" e "agilizar o processo" de compra.

De novo: se o país é o primeiro no mundo a consumir agrotóxicos, em que ponto, exatamente, está o entrave à compra dessas substâncias? Diante de tantas questões de meio ambiente, que dizem respeito à preservação de terras e à diminuição do desmatamento, mais urgentes, será mesmo necessário mobilizar deputados para promover uma lei mais flexível para a compra dos agrotóxicos ou, como querem os que desejam fazer passar o projeto de lei, os "pesticidas"?

Mais monocultura, sim, requer mais uso de agrotóxicos. Mas, como estamos vendo acontecer agora na Grã-Bretanha, causa também uma tremenda vulnerabilidade do solo. A pergunta que fica para nós, que vimos acompanhando questões ligadas ao meio ambiente e aos alimentos, é: quem é que, verdadeiramente, vai se beneficiar com uma mudança de lei dessas?

Não será, com certeza, o consumidor que vai ser obrigado a comer alimentos cada vez mais tóxicos. Além disso, como bem explicam os economistas que se interessam, estudam e defendem uma mudança no sistema econômico com objetivo de pensar um modelo mais justo e igualitário, o que causa a fome não é a falta de alimentos no mundo, mas sim a má distribuição. Em poucas palavras: o que falta é dinheiro para comprar comida.

Sigamos refletindo, além de torcer pelo futebol. Uma coisa não exclui a outra.

*Amelia Gonzales é jornalista

Fonte: G1