Opinião

O fogo que só Bolsonaro não vê

*Lúcio Flávio Pinto

O Pará, que tem o segundo mais extenso território (do tamanho da Colômbia), foi o Estado que sofreu o maior número de incêndios florestais e queimadas no Brasil nos últimos seis anos. Foram 191.981, correspondendo a 16,3% do total de 1.104.422 focos registrados em todo Brasil entre 2016 e 14 de outubro deste ano. O Pará foi também o recordista de incêndios e queimadas num único ano, contabilizando 49.779 em 2017.

O segundo Estado mais atingido pelo fogo foi Mato Grosso do Sul, com 130.963, equivalendo a 11,1%. Em terceiro, o Maranhão, com 115.607, 9,8%; em quarto, Mato Grosso, com 100.997, ou 8,6% do total nacional, segundo dados de um estudo encomendado pela Confederação Nacional dos Municípios.

No Brasil, foram registrados no mesmo período 1.104.422 focos, segundo monitoramento de queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), ambos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

O ano de 2020 foi o mais crítico, com recorde de focos, que chegaram a mais de 222 mil. Os dados mostram ainda que setembro é o mês que acumula mais registros, sendo 331.612 queimadas nos últimos seis anos.

Anota o levantamento que por causa dos desastres causados pelas queimadas e pelos incêndios florestais no Brasil, os Estados precisaram decretar emergência, pelo menos, 2.111 vezes de 2016 e 2021.

A Amazônia foi a região mais atingida, com maior porcentagem de focos de queimada ativos (47,1%), seguido pelo Cerrado (31,8%) e a Mata Atlântica (8,9%). Em número total de focos, a Amazônia soma 518.997 registros e o Cerrado, 350.064, ambos no período de 2016 a 2021.

Neste ano, até 14 de outubro, o levantamento da Confederação aponta que o bioma amazônico teve 63.115 focos de queimadas, o que representa 40,1% do total registrado no país em 2021. O Cerrado vem em seguida, com 57,327 focos, equivalente a 36,4%.

Por consequência, a Região Norte, onde se concentra o bioma amazônico, foi a mais prejudicada pelas queimadas, acumulando 457.917 registros, 41,4% dos cerca de 1,1 milhão de focos identificados nacionalmente de 2016 a 2021.

Além da quantidade de focos de queima, o estudo ressalta outro fator: o tamanho da área queimada. De acordo com dados do MapBiomas, entre 1985 a 2020 cerca de 167 milhões de hectares queimaram pelo menos uma vez no Brasil, representando 20% do território nacional. Em extensão da área, o bioma que mais queimou ao longo dos anos mapeados, foi o Cerrado contabilizando 73,3 milhões de hectares que representam 43,9% da área que queimou no Brasil nesses 36 anos. A Amazônia queimou 69 milhões de hectares, cerca de 41,2% do país que foi queimado.

Outro dado relevante que foi levantada pelo Mapbiomas é a porcentagem dos biomas que já queimou ao longo dos anos. Proporcionalmente, o mais atingido pelas queimadas foi o Pantanal, com 57,5% da sua área. Já o Cerrado queimou 36% e a Amazônia, 16,4%.

Prejuízos materiais

As queimadas e os incêndios florestais no Brasil representaram prejuízos de mais de R$ 1,1 bilhão em todo Brasil. No mesmo período, a União investiu apenas 32% desse valor – R$ 376,2 milhões – para ações de prevenção e combate a incêndios e queimadas.

Grande parte do prejuízo calculado está concentrado em 2019 (o primeiro ano do governo Bolsonaro), quando os danos financeiros ultrapassaram R$ 738 milhões no país. Enquanto em 2016 foram pagos R$ 77,4 milhões para ações de prevenção, fiscalização, monitoramento e combate a queimadas e incêndios florestais, o valor caiu para R$ 46,4 milhões em 2020 e para R$ 62,9 milhões em 2021.

Além disso, aponta o CNM, há uma diferença significativa entre os recursos autorizados no orçamento e o total efetivamente pago pela União. De 2016 a 2021 foi autorizado um montante de R$ 492,4 milhões para as ações, no entanto, somente 76% desse total, R$ 376,2 milhões, foram pagos, deixando um total de R$ 116,2 milhões de recursos sem uso.

Financeiramente, a região Centro-Oeste lidera o ranking de prejuízos nos últimos seis anos, somando R$ 837,8 milhões. O Sudeste é a segunda região mais afetada, com danos de R$ 200,7 milhões, seguida pelas Regiões Norte (R$ 70,7 milhões), Sul (R$ 46,9 milhões) e Nordeste (R$ 1,1 milhão).

Diante do cenário preocupante, a CNM alerta para a necessidade de os Estados e a União “investirem com urgência recursos – materiais e financeiros – para criação de políticas públicas que fortaleçam o combate às queimadas e incêndios florestais, visando também investir no fortalecimento dos órgãos de fiscalização ambiental”.

Jair Bolsonaro não só está na contramão dessa óbvia percepção da realidade, como tem feito tudo que pode para não lhe dar as devidas consequências. Parece ter vocação de Nero, em versão tropical e castrense.

*Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder.

Fonte: Amazônia Real