Notícias

Incêndios destroem unidades de conservação em Minas Gerais

Incêndios destroem unidades de conservação em Minas Gerais
Combate em Rio Manso / Crédito: arquivo Amda

Minas Gerais possui 562 unidades de conservação, sendo 246 estaduais e 55 federais, ambas esferas incluindo Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs). Ao todo, elas representam menos de 2% do território do estado e, mesmo assim, tiveram grande parte de suas áreas destruídas por incêndios, todos ateados por “mãos humanas”, com milhares de animais e árvores queimados vivos, graves danos aos aquíferos e destruição de paisagens. Falta de regularização fundiária, fragilidade de ações preventivas e impunidade são fatores comuns a todas. Com uma amostra de 12 unidades de conservação, a Amda mostra que, provavelmente, poucas UCs escaparam do fogo, além da preocupante situação deste baixo percentual de áreas legalmente protegidas no estado.

Todos os anos, milhares de pessoas se reúnem para a romaria de Nossa Senhora Aparecida, que inclui disparo de fogos de artifício que ateiam fogo na vegetação ressecada. Esta é a principal suspeita de origem do incêndio que começou no feriado de 12 de outubro no Parque Estadual do Biribiri e só foi controlado no dia 26. Segundo Emília Martins, gerente da UC, há dez anos a área afetada não pegava fogo, o que agrava ainda mais os danos resultantes. A altura das chamas e a declividade dificultaram o combate, do qual participaram cerca de 18 pessoas, entre funcionários do parque, brigadistas da Semad, Corpo de Bombeiros e voluntários. A área total destruída ainda não foi calculada, mas estima-se que entre os 35 incêndios registrados neste ano, este seja o pior. O Biribiri está inserido no complexo da Serra do Espinhaço. Seus quase 17 mil hectares abrangem parte do município de Diamantina e abrigam diversas espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção.

O Parque Estadual do Rio Preto, localizado em São Gonçalo do Rio Preto, desde sua criação – há 21 anos – não enfrentava incêndios de grandes proporções, graças à sua localização, longe de núcleos urbanos de maior porte, ações preventivas realizadas pelo gerente e equipe junto a moradores e comunidades de sua zona de amortecimento e à rapidez e eficiência no combate. O ano 2017, entretanto, ficará marcado como tragédia, pois um único incêndio destruiu 4 mil hectares, 2 mil dentro da área do parque e o restante na zona de amortecimento. A criminalidade do fogo foi comprovada pelo fato de que o cabo de internet do parque, situado no Pico dos Irmãos, local mais alto da reserva, foi cortado simultaneamente ao início da queimada. Há um movimento na região que pretende desafetar quase 4 mil ha do parque alegando serem “terras quilombolas”, pretensão rejeitada pelo IEF e diversas instituições da sociedade civil.

No início de setembro, fogos de artifício foram os responsáveis pela destruição de 1.222 hectares do Parque Estadual Serra do Rola Moça, sendo 376 ha dentro da UC. Até 7 de novembro, o parque havia sido atingido por nada menos que 95 incêndios, que consumiram 1.522 ha do entorno e 505 ha dentro da UC.

A suspeita é de que os fogos tenham sido disparados durante um campeonato de futebol amador, ocorrido em um campo próximo ao parque. O terreno pertence à prefeitura de Nova Lima, mas quem administra são os clubes de futebol. Leandro Oliveira, presidente da Liga Desportiva do município, responsável por organizar os campeonatos, afirmou que nenhum clube fez os disparos. Oliveira pontuou que o controle do público é complicado, pois na maioria das vezes não há policiamento e nem registros da quantidade de pessoas. A Amda sugeriu que a instituição promova ações de conscientização, a fim de evitar o uso de fogos de artifício, foguetes e bombas que, além de destruírem áreas naturais, podem atingir pessoas e crianças que acompanham os jogos. Gabriel Fagundes, chefe da sessão da Secretaria de Esportes, afirmou que a pasta irá abraçar a ideia no próximo ano.

No Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, localizado na Zona da Mata, no extremo norte da Serra da Mantiqueira, suspeita-se que a única ocorrência registrada dentro do perímetro da UC neste ano também teve origem criminosa. Segundo José Roberto Mendes Oliveira, gerente do Brigadeiro, moradores avistaram pessoas ateando fogo na área do parque. O incêndio começou no dia 10 de setembro e perdurou por três dias. Cento e quarenta e sete hectares de Mata Atlântica foram destruídos.

Somente um incêndio foi registrado na Estação Ecológica de Acauã, situada nos municípios de Leme do Prado e Turmalina. Mas foi suficiente para ser qualificado como uma das maiores tragédias ambientais do país, pois destruiu 1.945 ha de Mata Atlântica. As chamas subiram até a copa das grandes árvores, num espetáculo de horror e destruição. O fogo começou no dia 17 e foi debelado em 26 de outubro. A seca e o “fogo de copa” tornaram o combate dificílimo. José Alberto Ferreira, gerente da Estação, informou que houve dias em que mais de 100 pessoas lutaram para debelar as chamas.

A Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari, localizada no distrito de Serra das Araras, município de Chapada Gaúcha, também foi vítima dos criminosos. O incêndio de 21 de outubro destruiu 1.300 hectares de Veredas e os danos ambientais são ainda mais graves, pois cada vereda é uma nascente e abrigo da fauna, principalmente em tempo de seca. Araras, papagaios-verdadeiros e diversas outras espécies fazem seus ninhos nos buritis – espécie de palmeira típica do ambiente alagados das veredas – nesta época do ano. Provavelmente, centenas de ninhos foram queimados com seus filhotes. Além da crueldade em si, a perda dos mesmos representa grave dano à população destas espécies já ameaçadas.

“O combate foi muito complicado porque não conseguíamos chegar perto do foco. Olhar para essa vereda que era uma beleza, e ver agora ela toda cinza, toda preta, é uma tristeza. Estou com o coração doído”, lamentou Cícero Barros, gerente da UC.

A reserva é limítrofe a várias fazendas e cortada por estradas municipais e estaduais, além de sofrer com invasões de gado levado intencionalmente por seus proprietários. Há dois anos Cícero pediu apoio da Polícia Militar de Meio Ambiente para retirada dos animais. Concomitantemente, iniciou um trabalho de conscientização ambiental com as comunidades locais. “Primeiro nós conversamos com os responsáveis e pedimos para retirar os animais. Se eles não agirem, tomamos as devidas providências”, contou.

Cícero é gerente da reserva há mais de dez anos. “Encaro esse desafio com muito amor. É muito gratificante ver um animal solto na natureza. Sair para fazer uma ronda e dar de cara com uma onça ou lobo-guará é incrível”, afirmou. A REDS Veredas do Acari está localizada no distrito de Serra das Araras, município de Chapada Gaúcha, e possui uma área de 60.975 hectares. Teoricamente está interligada ao Parque Serra das Araras por um corredor ecológico, composto por Veredas, que ainda são responsáveis pelo pouco de água que corre no rio São Francisco.

O Monumento Natural Estadual Serra da Moeda registrou 17 ocorrências até setembro. Depois, perderam-se as contas em função de tantos focos. O último, que teve início no dia 19 de outubro, durou três dias. O levantamento da área total consumida pelas chamas ainda não foi concluído, mas a gerente, Laudicena Curvelo, estima que aproximadamente 70% foram devastados. Um dos motivos foi a morosidade para o combate ao foco enquanto ainda estava pequeno. De acordo com Laudicena, não houve tempo para o devido treinamento dos novos guardas-parques, aprovados no concurso de março deste ano, mas contratados já no período crítico.

Apenas neste ano, as chamas consumiram o Parque Estadual da Serra do Cabral, que tem 22.494 hectares, 140 vezes. O último foco foi debelado no dia 26 de outubro. A área total destruída pelos incêndios ainda não foi mensurada. O parque está localizado na região centro-norte do estado, na serra de mesmo nome que faz parte da Cordilheira do Espinhaço. Queimar áreas para pastoreio extensivo e insustentável é a maior causa dos incêndios.

Por 18 vezes, o Parque Estadual do Itacolomi ardeu em chamas neste ano. A área total destruída ainda não foi mensurada, mas estima-se a perda de mais de 1.100 hectares de Cerrado e Mata Atlântica. Situado nos municípios de Mariana e Ouro Preto, o parque tem 7.543 hectares.

O Parque Estadual do Sumidouro contabilizou 42 ocorrências até 14 de outubro, sendo 18 na área interna do parque e 26 na zona de amortecimento. De acordo com o gerente da UC, Rogério Tavares, os incêndios destruíram 123,78 ha do parque e 31,93 na ZA. Tavares contou que os brigadistas enfrentaram combates noturnos, vários focos simultâneos em locais de difícil acesso, ocorrências nos finais de semana, quando a equipe está reduzida; equipe de novos funcionários sem experiência e restrições por falta de equipamentos de segurança. Com pouco mais de 2 mil hectares, o parque, de proteção integral, está situado nos municípios de Lagoa Santa e Pedro Leopoldo e tem 53 cavernas e 157 sítios arqueológicos.

Segundo a Diretoria de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais, até o momento foram registradas 509 ocorrências na área interna das unidades de conservação estaduais e 351 no entorno, perfazendo um total de 860 ocorrências. As queimadas destruíram 39.521 ha dentro de UCs e 20.408 ha nos respectivos entornos. O levantamento ainda não está finalizado.

A superintendente da Amda, Dalce Ricas, reconhece que o PrevIncêndio representou grande avanço no combate aos incêndios, mas é insuficiente para mudar o cenário de destruição. “Não há dúvida que a prevenção está ligada à regularização fundiária e a ações informativas e educativas. Mas isto nunca foi prioridade do governo de Minas. Ao contrário, o dinheiro arrecadado através da compensação ambiental foi sequestrado pelo governo anterior e mantido pelo atual. Na verdade, os gerentes das unidades de conservação é que ‘se viram’ e fazem mágica para protegê-las. Se a prevenção e combate aos incêndios não se tornarem ‘política de governo’, e estamos longe disto, pode-se dobrar o número de brigadistas que o fogo continuará destruindo”, afirmou.

Mesmo descrente de resultados, a entidade pretende levar as informações à Câmara de Proteção da Biodiversidade do Copam.

Parques Nacionais

Os parques nacionais também foram destruídos por incêndios. Cinco ocorrências foram registradas neste ano no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, que possui 56.448 hectares distribuídos nos municípios de Januária, Itacarambi e São João das Missões, na região norte de Minas Gerais. De acordo com Rafael Pereira, analista ambiental do ICMBio – órgão responsável pela gestão da UC -, estima-se que 40 hectares foram destruídos. A unidade de conservação federal conta com uma equipe de 18 brigadistas contratados durante seis meses do ano.

No Parque Nacional Grande Sertão Veredas, seis ocorrências destruíram 6.232 hectares da unidade de conservação neste ano. Desses, mais de 5 mil hectares foram consumidos pelas chamas entre 12 de setembro e 23 de outubro. Seus 230.856,14 hectares estão distribuídos pelos municípios de Chapada Gaúcha, Formoso e Arinos no estado de Minas Gerais e Côcos, na Bahia.