Página inicialBlogProjeto de lei extingue unidades de conservação se governo não indenizar proprietários
Notícias
Projeto de lei extingue unidades de conservação se governo não indenizar proprietários
As unidades de conservação estão, mais uma vez, na mira dos ruralistas. Desta vez, o Projeto de Lei 3.751/15 prevê a extinção automática de UCs caso o governo não indenize, em cinco anos, propriedades privadas sobrepostas a essas áreas.
A proposta também ameaça a criação de novos parques e reservas por causa do orçamento público cronicamente baixo para a área ambiental. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), quase 2,9 milhões de hectares de áreas protegidas federais ainda não regularizados, com terras privadas sobrepostas, estão ameaçados. De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), dos quase 80 milhões de hectares de UCs federais, apenas 3,3 milhões, ou 5% do total, são de terras privadas. Destes, 13% já estariam regularizados. Não há dados consolidados sobre as áreas estaduais.
“Somos favoráveis a mecanismos que obriguem a regularização fundiária. O que não aceitamos é que se use esse argumento para se colocar em risco a existência das UCs”, disse o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), que negocia um texto alternativo. Ele busca retirar do projeto o dispositivo que prevê a extinção automática das áreas protegidas.
O Ministério Público Federal (MPF) também é contra o PL. “[Se aprovado], hoje, um projeto como esse seria catastrófico. Teríamos um retrocesso enorme na proteção ambiental em todo país”, alerta o procurador da República Daniel Azeredo, secretário executivo da 4ª Câmara do MPF, de proteção do meio ambiente e patrimônio cultural. Azeredo afirma que, por ser explicitamente inconstitucional, o projeto deve ser questionado no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em nota técnica contra o projeto, o ISA também pontua a inconstitucionalidade da proposta. Para a organização, o PL coloca em risco os compromissos assumidos pelo Brasil na Conferência do Clima e na legislação nacional de combate ao desmatamento. O país comprometeu-se a reduzir o desflorestamento na Amazônia à marca de 3,9 mil quilômetros quadrados, em 2020, e de zerar as derrubadas ilegais até 2030.
Para Dalce Ricas, superintendente da Amda, a proposta é tão absurda que nem deveria ser discutida. “As propostas deste deputado são sempre contra a preservação e proteção do meio ambiente. Ao invés de utilizar o mandato que a sociedade lhe outorgou para beneficiá-la, lutando pela regularização fundiária do pouco que é protegido no país, ele aproveita a oportunidade para acabar com as unidades de conservação, utilizando argumentos falaciosos”, afirmou.
O projeto foi retirado da pauta de hoje (22) da Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados. O PL 3.751/2015 já passou pela Comissão de Meio Ambiente. Se for aprovado na CFT, segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, se tiver o mesmo destino, vai direto para o Senado, pois tramita em caráter “conclusivo”. A proposta pode ir ao plenário da Câmara, mas precisa de um requerimento apoiado por pelo menos 51 parlamentares.
Autor e relator
O autor do PL é o deputado Toninho Pinheiro (PP-MG). Esta não é a primeira vez que o parlamentar propõe iniciativas contra o meio ambiente. No ano passado, o loteamento Novo Barreirinho, pertencente à família Pinheiro, foi erguido na zona de amortecimento do Parque Estadual Serra do Rola Moça sem anuência do conselho e do Instituto Estadual de Florestas (IEF).
Pinheiro também assina outros projetos que colocam em risco o meio ambiente, como o 1.299/2015, que reduz as zonas de amortecimento das UCs. Ele é alvo de dois inquéritos no STF, acusado de peculato e crimes contra a lei de licitações.
O relator do projeto na CFT é Alfredo Kaefer (PSL-PR), um dos principais defensores de Michel Temer no Congresso. Em 2014, era o deputado federal com maior patrimônio: R$ 108,5 milhões. Ele é dono de 22 empresas no Paraná, várias em situação de falência, com dívidas com a União que chegam aos R$ 53 milhões. A principal firma do conglomerado é o Diplomata, um dos maiores abatedouros de aves do país.
Kaefer acredita que a aprovação do projeto forçará o estado a disponibilizar recursos para as indenizações. “O governo tem de ser mais cauteloso. Não é chegar [e dizer]: ‘faço as desapropriações, depois vejo como paga'”, reclama. “Se não tem previsibilidade orçamentária, não faça a desapropriação. O que não pode é um cidadão legitimamente proprietário de uma determinada área, de um patrimônio, sofrer a desapropriação, o governo se apropriar desse bem e a desapropriação ficar ao deus-dará”, afirma.
O deputado diz que está aberto a negociações e que poderia retirar de seu parecer a previsão de extinção total de uma UC: no caso das indenizações não serem pagas, ela seria revogada apenas no trecho desapropriado, sobreposto à área privada.