Notícias

PL que esfacela o licenciamento ambiental no Brasil pode ser votado a qualquer momento

PL que esfacela o licenciamento ambiental no Brasil pode ser votado a qualquer momento

A Câmara dos Deputados pode colocar em votação, a qualquer momento, o substitutivo ao Projeto de Lei 3729/2004 que, na prática, acaba com o licenciamento ambiental brasileiro. O texto foi elaborado pelo deputado Mauro Pereira (PMDB/RS), presidente da Comissão de Finanças e Tributação.

O parlamentar apresentou substitutivo à proposta já em tramitação, cuja redação foi baseada em texto da Comissão de Agricultura, que flexibiliza regras e reproduz vícios da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 65, que tramita no Senado e é fortemente repudiada por ambientalistas e pela sociedade.

O substitutivo de Pereira busca facilitar empreendimentos do setor elétrico e destaca que os custos ambientais e sociais representam 12% do valor das obras de construção de usinas hidrelétricas. Como exemplo, aponta a usina de Belo Monte, que demandou R$ 5 bilhões para o atendimento de condicionantes socioambientais.

“Só mesmo o descomprometimento com o interesse público pode explicar que um deputado ouse afirmar que custos sociais e ambientais não precisam ser considerados pelos empreendedores e pelo poder público. A sociedade brasileira levou mais de meio século para conseguir que estes custos fossem internalizados. A cartilha deste parlamentar é certamente a do interesse econômico”, diz Dalce Ricas, superintendente executiva da Amda.

A proposta do deputado prevê que caberá aos Estados decidirem o que deve ou não ser licenciado, abrindo espaço para absurdos como liberar mineração, desmatamento ou barragens. Isso geraria, inclusive, disputas fiscais inimagináveis, já que grande parte da iniciativa privada no Brasil, infelizmente, continua se pautando pelo lucro a qualquer custo.

“Assim como no Código Florestal, se o PL for aprovado, as poucas empresas que atuam com responsabilidade sócio ambiental serão penalizadas e o caos em que o país se encontra poderá piorar ainda mais. Nos Estados onde a sociedade civil estiver mais organizada, o aporte de novos empreendimentos poderá ficar comprometido, pois certamente não se aceitará que empreendimentos potencialmente impactantes nos espaços social e econômico sejam implantados”, afirma Dalce

“Sabemos que a proposta é apoiada por setores econômicos e do próprio governo, que se julgam prejudicados pelo licenciamento ambiental no país, que precisa realmente ser aprimorado, tanto para atender empreendedores com celeridade e regras claras, quanto para atingir seu objetivo principal, que é conciliar atividades econômicas com proteção da água, fauna, flora e comunidades humanas. Mas o objetivo destes setores parece ser o de utilizar as dificuldades para se isentarem de responsabilidade socioambiental”, diz Dalce.

Para Mário Mantovani, diretor de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, a crise ambiental no país “é resultado de um processo de desmonte da legislação, que começou no %u2018desgoverno%u2019 passado, onde isso foi usado como moeda de troca do governo com o setor produtivo na aprovação do Código Florestal. Neste caso ainda é muito pior, porque estas mudanças vão atender apenas um grupo e impõem grande retrocesso ambiental, principalmente porque se trata do único instrumento de controle social que nós temos no Brasil.”

O governo federal, através da Casa Civil, pretende apresentar outra proposta que ainda não é de conhecimento público. Petição online contra o substitutivo foi lançada na última sexta-feira (5), pela Amda, com apoio de diversas organizações, que já conta com mais 1.200 assinaturas.

Para assinar a petição, acesse aqui.

Confira outros retrocessos que o substitutivo pode causar:

– Cria campo amplo e fértil para controvérsia, subjetividade e insegurança jurídica;

– Restringe a área de influência dos empreendimentos aos impactos diretos. O que estiver no entorno (água, florestas, comunidades, animais silvestres, paisagens) será desconsiderado.

– Restringe a regularização de passivos somente ao meio físico, ou seja: se um empreendimento desmatou, extinguiu espécies da fauna, ficará por isto mesmo;

– Dispensa assentamentos rurais de licenciamento, considerados hoje como os maiores responsáveis pelo desmatamento na Amazônia;

– Concede efeito suspensivo de qualquer condicionante se o empreendedor contestar por qualquer motivo. Assim, o empreendimento pode ser implantado, funcionar, acabar e não cumprir condicionantes;

– Exclui componente socioeconômico dos estudos ambientais. Estudos sobre impactos às comunidades humanas não mais existirão, mesmo que as ameacem.

– Elimina anuência dos órgãos gestores das unidades de conservação para empreendimentos no seu entorno. Qualquer “coisa” poderá ser instalada nas zonas de amortecimento.

– Dispensa de licenciamento as atividades agropecuárias e de florestas plantadas. Estudo recente da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) aponta que entre 1990 e 2005, 71% do desmatamento na Argentina, Colômbia, Bolívia, Brasil, Paraguai, Peru e Venezuela ocorreu em função da demanda de pastos; 14% de cultivos comerciais e menos de 2% de infraestrutura e expansão urbana. A expansão dos pastos causou a perda de ao menos um terço das florestas em seis países analisados. No Brasil, mais de 80% do desmatamento estava ligado à conversão de terras em terrenos de pasto.