Parques e uso público
*Beatriz de Frontin
A recente iniciativa do Estado de São Paulo de autorizar a concessão da exploração dos serviços inerentes ao ecoturismo em treze parques estaduais por até 30 anos, por meio da Lei 16.260/2016, aglutinou dois temas de grande repercussão social: a participação de parceiros privados na gestão de bens públicos e a proteção ao meio ambiente.
Apesar da relevância do tema, que envolve políticas públicas ambientais, econômicas e de governança do Estado, a discussão sobre a lei foi reduzida a um alarde contra a privatização de áreas protegidas. A fim de que seja aproveitada a oportunidade para um debate profundo e criativo, é importante que algumas premissas sejam estabelecidas e alguns mitos desfeitos.
Parques naturais historicamente possuem um duplo objetivo: a preservação da natureza e o uso público. De acordo com a Lei 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, os parques possuem a função precípua de conservação da diversidade biológica, ao mesmo tempo que devem promover a visitação, com fins de educação e interpretação ambiental, recreação e turismo em contato com a natureza. Assim, diferente de outras modalidades de áreas protegidas (tais como monumentos naturais, estações ecológicas ou reservas biológicas) fica evidente a especial missão conferida aos parques de compatibilizar proteção da biodiversidade e uso público.
O Brasil possui 393 parques naturais. Mais da metade não possui plano de manejo, documento técnico fundamental para regular sua proteção e funcionamento. Além disso, muitos não oferecem qualquer serviço de apoio à visitação, como trilhas, centro de visitantes, percursos ou mirantes. Em casos extremos, a falta de fiscalização ambiental pelos órgãos gestores, agravada pela escassez de recursos, torna tais áreas suscetíveis a diversos impactos negativos, como desmatamento, ocupação irregular, comercialização ilegal de fauna e flora, danos aos recursos hídricos etc.
O número elevado de parques naturais existentes no Brasil e a relativa facilidade com que esses espaços são criados deixam claro que o gargalo não está na quantidade de áreas protegidas, mas na implementação das ações necessárias ao seu adequado funcionamento.
A limitação de recursos e a burocracia na gestão dos parques pelo poder público dificultam que esses ecossistemas naturais cumpram suas funções ecológicas e sociais, sendo comum que existam apenas no papel, que se encontrem "fechados" ao público ou que funcionem de forma bastante precária.
Em auditoria realizada em 2015, o Tribunal de Contas da União TCU avaliou a gestão de 1.120 áreas protegidas da América Latina, sendo 453 localizadas no Brasil. O estudo constatou o baixo aproveitamento do potencial econômico, social e ambiental dessas áreas e, dos 13 indicadores de desempenho analisados, o "Uso Público" foi o que teve pior resultado.
De acordo com o TCU, Uso Público corresponde a "práticas de visitação com objetivos educativos, esportivos, recreativos, científicos e de interpretação ambiental, que dão ao visitante a oportunidade de conhecer, entender e valorizar os recursos naturais e culturais existentes". E é justamente na estruturação dessas atividades que o parceiro privado pode ter uma atuação mais eficiente do que o Estado.
A parceria com a iniciativa privada para operação de parques naturais com potencial turístico é uma realidade em diversos países, da Austrália à Costa Rica, dos Estados Unidos à África do Sul. O Estado de São Paulo, seguindo os esparsos exemplos da União Federal nos Parques Nacionais do Iguaçu (PR), Fernando de Noronha (PE) e Tijuca (RJ), agora se alinha a essa tendência global visando modernizar a gestão de espaços protegidos.
O objetivo da lei é criar condições à exploração do potencial ecoturístico das áreas protegidas por meio da compatibilização das atividades passíveis de exploração econômica com os objetivos ecológicos dos parques.
A iniciativa passa pelo alinhamento de políticas públicas ambientais, econômicas e administrativas. De fato, a concessão de parques ajuda a direcionar o aparelho estatal para execução de atividades indelegáveis como a fiscalização, ao mesmo tempo em que fortalece o turismo, dinamiza as economias locais e, assim, incrementa a arrecadação de recursos financeiros.
Ainda que a atual crise econômica tenha impulsionado o projeto de São Paulo, em qualquer momento cabe a reflexão sobre quais são as funções inerentes ao Estado e quais podem ser desempenhadas de maneira mais eficiente pelo parceiro privado. Uma adequada alocação de tarefas na gestão de bens de uso comum gera benefícios para toda sociedade.
A preocupação com o fantasma da privatização não passou ao largo da lei, ao determinar que no contrato de concessão deve constar a impossibilidade de transferência de bens, áreas e direitos do Estado, a qualquer título. Como qualquer modelo de concessão, a concessão de parques visa apenas estabelecer uma parceria com a iniciativa privada para o desenvolvimento de determinada atividade econômica, e não transferir ao particular a titularidade de bens públicos.
Diante disso, entendemos bemvinda a iniciativa do Estado de São Paulo, embora seja preciso reconhecer que a parceria com o agente privado não é a salvação de todos os males que afetam a baixa performance ambiental e social dos parques.
Em recente comemoração aos cem anos do National Park Service, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chamou os parques nacionais de "a melhor ideia da América", em completa evidência do sentimento de orgulho e pertencimento que esses espaços representam para a sociedade norteamericana.
A pergunta que deve ser feita no contexto brasileiro é qual a maneira mais adequada de gerir esses espaços para que cumpram suas funções ambientais e sociais para as presentes e futuras gerações. O fundamental na discussão é colocar a gestão efetiva do meio ambiente em primeiro lugar, deixandose
de lado ideologias e conceitos superficiais.
*Beatriz de Frontin é advogada da área de Direito Ambiental do BMA Barbosa, Müssnich, Aragão
Fonte: Valor Econômico