Opinião

Invisíveis e perigosos: como os microplásticos invadiram nossos corpos

*Beatriz Mattiuzzo

O mundo está cheio deles: pequenos pedacinhos de plástico que vão de fibras de roupas sintéticas até produtos de beleza e já fazem parte da nossa vida, do nosso corpo, de todas as praias do mundo e até da chuva.

Microplásticos são pedaços de plástico de até 5mm – alguns até invisíveis a olho nu. São materiais feitos para serem pequenos, como o glitter ou pellets usados como matéria-prima na indústria, ou que quebraram como resultado da própria degradação de plásticos maiores.

A crise da poluição plástica vai muito além de animais marinhos comendo sacolas ou canudos, e os microplásticos, tão pequenos e onipresentes, são fator central nisso. Há alguns anos, estudos apontam que nós também estamos ingerindo e até respirando microplásticos.

Uma vez ingerido, o que acontece com o plástico no nosso corpo? Passa por nosso sistema digestivo e vai embora? Afinal, todos nós acabamos comendo e aspirando poeira e areia ao longo da vida e passamos relativamente ilesos. Mas não é assim com os microplásticos, que se espalham por várias partes do nosso corpo: no sangue humano, no leite materno, em testículos e até em placentas humanas.

Por serem um problema novo, contudo, os efeitos dessa contaminação plástica ainda são pouco comprovados. Apenas neste ano saíram os primeiros estudos conclusivos ligando plásticos a doenças vasculares e cerebrais.

Um estudo com mais de 200 pessoas que passaram por cirurgia cardíaca constatou que quase 60% delas possuíam micro ou nanoplásticos em uma das artérias principais – e os pacientes com plástico apresentaram 4,5 mais chances de um infarto ou AVC nos 34 meses subsequentes à cirurgia do que os que não apresentaram plásticos nas artérias.

Outra pesquisa mostrou que 80% dos pacientes com trombos apresentavam microplásticos nestes trombos – os quais podem causar AVCs, infartos ou trombose. Os pesquisadores ainda conseguiram observar uma relação direta entre a gravidade das doenças dos pacientes com a concentração de microplásticos observada nos coágulos.

As notícias não deveriam ser surpresa, afinal são corpos estranhos dentro de nosso sistema. Diferente de inalar poeira ou comer areia, materiais com os quais convivemos há milhões de anos, plásticos são compostos recentes que estão longe de serem “puros”. Os fabricantes adicionam compostos como estabilizantes, conservantes e pigmentos que são sabidamente perigosos, capazes de desregular hormônios e frequentemente ligadas ao câncer, como o BPA.

Ingerir microplásticos faz mal, assim como ingerir veneno – deveria ser óbvio e não devemos ficar esperando estudos científicos conseguirem dados para comprovar isso. Quem sabe se começarmos a encarar a crise dos microplásticos como uma questão de saúde pública, o poder público e as empresas comecem a tratar o problema com a seriedade que ele merece? Somos parte da natureza, e toda disrupção que causamos a ela vai afetar também a humanidade.

*Beatriz Mattiuzzo é oceanógrafa e mestre em práticas de desenvolvimento sustentável.

Fonte: Ecoa Uol