Opinião

Agonia dos animais queimados em incêndio no Parque Estadual Veredas do Peruaçu

*Dalce Ricas

“O pássaro que se vê hoje no parque é urubu em busca dos cadáveres dos animais”.

A frase, dita pelo gerente do parque, João Roberto ilustra a tragédia causada pelo incêndio de grandes proporções que em julho, queimou grande área do Parque Estadual Veredas do Peruaçu.

O fogo começou na APA Federal Cavernas do Peruaçu em área de posseiros, que, segundo denúncias botaram fogo no capim, que rapidamente se espalhou, entrando no parque pela sua principal vereda, formadora do rio Peruaçu, que se estende por cerca de 40 quilômetros.

Somente dentro da UC 23 km da mesma viraram cinza. A Vereda Comprida foi também queimada em toda sua extensão. As veredas são chamadas de “oásis” do sertão, por reterem água o ano inteiro. Na seca são fundamentais para a sobrevivência da fauna, que nelas se abrigam e se alimentam.

João Roberto, contou emocionado, que encontrou três antas carbonizadas. “Vi outra com queimaduras em todo o corpo e outra, com filhote, ambos arrastando uma das pernas traseiras. Acho que devem ter morrido. Morreram milhares de araras, papagaios. Não sobrou um buriti”.

Ele explicou também que os animais sobreviventes estão desorientados e famintos após a destruição das Veredas. ”Ficam vagando pelo parque, procurando comida, sem entender o que aconteceu”, diz. O parque não tem infraestrutura para ajudar os animais. O gerente compra frutas e verduras que são colocadas em alguns lugares. “Comem tudo” diz, ainda emocionado. A Amda, em representação ao MP, solicitou apuração da origem do fogo e de possíveis irregularidades no combate ao mesmo.

O fato é, nenhum governo, até hoje, se importou realmente com a fauna e flora e boa parte das unidades de conservação, esperança de que a fauna sobreviva à loucura humana, estão abandonadas. A maior parte da população diz se importar com o meio ambiente, mas como não faz nada, a tragédia continua, e os políticos continuam achando que não é prioridade. É doloroso demais imaginar os animais tentando fugir e morrendo queimados. E se não há mortes humanas a imprensa diz: “felizmente não houve vítimas”.

O Parque Estadual Veredas do Peruaçu, abrange 30.702 hectares nos municípios de Cônego Marinho, Bonito de Minas e Januária, no Norte de Minas. Criado em 1994, tem (ou tinha) grande relevância ecológica por abrigar veredas e lagoas. Por estar localizado em região ainda pouco habitada, “era” o lar de rica biodiversidade, abrigando espécies da fauna como lobo-guará, jaguatirica, anta, veado-campeiro, onça-parda, tamanduá-bandeira e o cachorro-vinagre-do-mato-orelha-curta, redescoberto na região após ser considerado extinto no Estado. Cerca de 250 espécies de aves já foram catalogadas na unidade de conservação.

O território mineiro abrigava milhares de veredas, que eram consideradas as maiores fontes de alimentação do rio São Francisco. Mas, sob a incompreensível omissão, estímulo e até cumplicidade do poder público, pela voracidade e do agronegócio, invasões, centenas delas desapareceram, privando o sertão de Minas de água.  Imagens de satélite mostram a conversão de veredas em áreas agrícolas, principalmente a partir de 2010. Elas são protegidas pelo Código Florestal, por serem Áreas de Preservação Permanente (APPs), mas a lei é ignorada.

Em ofício ao presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão da APA, a Amda solicitou medidas para apurar responsabilidades sobre o incêndio.

*Dalce Ricas é superintendente executiva da Amda.