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Diferença Ambiental
Construir nova visão ética, que envolva o meio ambiente, é desafio no Direito Ambiental
No Brasil, a impunidade àqueles que cometem crimes de forma geral está relacionada a vários fatores: ausência de planejamento e políticas públicas de médio e longo prazo, carência de informações, poucos investimentos em segurança e educação, baixo índice de escolaridade e pobreza. Quanto à impunidade por crimes ambientais, ainda se pode somar dois fatores: um cultural e outro estrutural.
No que diz respeito à cultura, Torquato acredita que os brasileiros ainda cultivam a falsa ideia de que o país dispõe de recursos naturais inesgotáveis, colocando a preocupação com o meio ambiente distante. O segundo fator, estrutural, pode ser explicado pela própria legislação e pela posição dos profissionais do direito em relação ao direito ambiental.
A análise é de Bruno Torquato, Doutor e Mestre em Direito pela PUC Minas; Advogado; Membro da Comissão de Direito Civil da OAB-MG; Professor do Mestrado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara; Professor de Direito na PUC Minas; Coordenador do Curso de Especialização em Direito Ambiental e Urbanístico na PUC Minas Virtual; e Pesquisador do Centro de Estudos em Biodireito (CEBID).
Para ele, “vencer a resistência dos mais tradicionalistas e construir uma nova visão ética, que envolva o meio ambiente, são alguns dos maiores desafios de hoje”.
Amda – Como surgiu o seu interesse pelo Direito Ambiental?
Bruno Torquato – Durante a graduação em Direito na PUC Minas, em 1999, eu e alguns colegas resolvemos iniciar um grupo de pesquisa, o NAP (Núcleo Acadêmico de Pesquisa). Escolhi, à época, a área de Direito Ambiental, já que sempre tive interesse por biologia e sabia que era um campo importante de trabalho. Coordenei o grupo por dois anos e publiquei, na revista da faculdade, um artigo sobre responsabilidade civil por danos ambientais.
Amda – A criação da Lei de Crimes Ambientais solidificou o meio ambiente como bem jurídico penal. Entretanto, a impunidade àqueles que cometem crimes é grave e frequente. Como mudar este cenário?
B.T – Não é uma resposta fácil, porque a impunidade, em nosso país, está relacionada a vários fatores. Ausência de planejamento e políticas públicas de médio e longo prazo, carência de informações, poucos investimentos em segurança e educação, baixo índice de escolaridade e pobreza são fatores genéricos ligados à impunidade em geral. Quanto à impunidade por crimes ambientais, ainda se pode somar dois fatores: um fator cultural e um fator estrutural.
O primeiro se explica pelo fato de que a sociedade coloca a preocupação com o meio ambiente ainda em posição mais distante. Apesar de perceber a importância da preservação ambiental, ela não está no rol das prioridades. Como nação, acredito que ainda cultivamos a falsa ideia de que o Brasil dispõe de recursos naturais inesgotáveis.
O segundo fator, estrutural, se explica pela própria legislação e pela posição dos profissionais do direito em relação ao direito ambiental. Trata-se de um ramo novo, ainda sem tanto prestígio nas faculdades de direito, que o colocam timidamente em suas grades curriculares. De outro lado, a legislação penal-ambiental, desde sua promulgação, foi muito criticada, especialmente por trazer muitas normas penais em branco, muitos crimes de perigo abstrato e a responsabilização penal da pessoa jurídica. Miguel Reale Jr. escreveu sobre a Lei nº 9.605/1998, chamando-a de a “Lei Hedionda de Crimes Ambientais”. Luís Flávio Gomes, por sua vez, diz que a Lei de Crimes Ambientais trouxe penas desproporcionais, algumas inferiores e muitas superiores ao que se devia. Independentemente dos fundamentos das críticas, que muitas vezes são sensatas, o clima em torno do Direito Penal Ambiental nunca foi muito bom e a resistência teórica a ele acaba por refletir em uma prática desacreditada.
Amda – Como agir contra o princípio da insignificância, que acaba desacreditando a punição por crimes ambientais?
B.T – Não acredito que o princípio da insignificância desacredite a punição dos crimes ambientais, mas que sua má aplicação o faça. Também conhecido como princípio da bagatela, a insignificância produz a descaracterização do crime por atipicidade material, ou seja, a conduta é considerada atípica, não se podendo mais falar de punição, porque a conduta apresenta baixa ofensividade.
Explicando de outra forma, para que um comportamento seja considerado crime, deve ele estar tipificado. Se ele não for típico, não há crime, por isso não há punição. A tipicidade divide-se em formal e material. A tipicidade formal é a correspondência entre a conduta e os elementos constantes daquela norma penal que a descreve, o tipo penal. Já a tipicidade material é a característica que tem uma conduta de lesar ou ameaçar de lesão o bem jurídico protegido penalmente. Como o Direito Penal só deve atuar em ofensas mais graves, deixando aos outros ramos as punições para as condutas menos graves, a menor lesividade da conduta retira a tipicidade material, levando à insignificância para o Direito Penal, ainda que continue recebendo sanções menos severas de outros ramos do Direito.
O Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus 84.412/SP, fixou quatro critérios, cumulativos, para caracterização da insignificância: a ausência de periculosidade social da ação; o reduzido grau de reprovabilidade da conduta; a mínima ofensividade da conduta; e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Amda – Como é lidar com o comportamento de juristas que ainda riem da legislação ambiental?
B.T – Não é fácil, mas faz parte do processo de afirmação das novas áreas de conhecimento. Vencer a resistência dos mais tradicionalistas e construir uma nova visão ética, que envolva o meio ambiente, são alguns dos maiores desafios de hoje. Acredito que esses desafios só poderão ser vencidos quando atingirmos bons níveis de acesso à educação e à informação.
Amda – Enquanto professor, você enxerga mudanças em seus próprios alunos no que diz respeito ao comportamento e conscientização sobre crimes ambientais?
B.T – Sem dúvida. Com o tempo, se pode perceber uma mudança nos professores e nos alunos de direito. Há uma preocupação maior com a questão ambiental, o que reflete diretamente sobre a conscientização das ofensas ao meio ambiente. O ambiente acadêmico, atualmente, é muito mais propício à reflexão ambiental.
Amda – O deputado federal Valdir Colatto (MDB/SC) é autor do Projeto de Lei nº 6.268/16, que libera a caça de animais silvestres no Brasil. Qual sua opinião a respeito?
B.T – Pessoalmente, não sou a favor da liberação da caça em nenhuma circunstância. Acredito que a caça se explique historicamente, já que foi fundamental para a própria alimentação humana. Mas hoje se pode afirmar, no mínimo, que é uma prática desnecessária. Além do mais, a caça é um incentivo à violência, pois permite que o indivíduo vá ao habitat do animal matar por diversão. Banaliza-se o mal.
É diferente, embora também questionável em certas circunstâncias, quando se fala do abate de animais para consumo humano, que ocorre de forma mais distante do cidadão dos centros urbanos.
Quando se permite que a diversão seja o sofrimento e a morte de outro ser vivo, dessensibiliza-se o indivíduo, que passa a ver nos ruídos de dor algo de trivial e, por isso, pouco importante. É a contramão da educação ambiental.