Programa de conservação é esperança para recuperar muriquis
Os muriquis conquistaram seu coração quando ainda era criança. Com o tempo, a paixão se transformou na missão de proteger os primatas mais ameaçados de extinção das Américas. Fabiano Melo é biólogo, Doutor em Ecologia (Conservação e Manejo da Vida Silvestre) e responsável técnico do Programa de Conservação dos Muriquis de Minas (PCMM). O projeto foi idealizado por especialistas da organização não governamental Muriqui Instituto de Biodiversidade (MIB) – da qual Fabiano é um dos fundadores -, consolidado com o apoio da Fundação Biodiversitas e seus parceiros e financiado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
Endêmicos do Brasil, os muriquis se dividem em duas espécies: muriquis-do-norte e muriquis-do-sul. Minas abriga os muriquis-do-norte, que são o alvo do programa de conservação. Hoje se tem conhecimento de 12 populações no Brasil, sendo que a maioria ocorre em território mineiro. A fragmentação de seu habitat natural, provocada por desmatamentos e caça, resultou no confinamento da espécie em pequenas porções de floresta, que atualmente correspondem a oito localidades em Minas Gerais, uma no Rio de Janeiro e três no Espírito Santo.
Devido a essas ameaças, o primata está classificado como “criticamente em perigo” na Lista Oficial da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção do Ministério do Meio Ambiente (2014) e pela avaliação da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês).
Além disso, os primatas lutam atualmente contra uma possível epidemia de febre amarela. Ainda não há casos confirmados de muriquis mortos pela doença, mas os pesquisadores estão em alerta.
Amda – Quando e como surgiu o Programa de Conservação Muriquis de Minas? Como você se “apaixonou” pelos muriquis?
Fabiano Melo – O PCMM surgiu há alguns anos, quando pensamos em montar uma equipe forte que pudesse trabalhar com a maior parte das populações de muriquis que existe em Minas. Porém, ele só se tornou realidade com o apoio financeiro da Fundação Grupo Boticário.
Minha paixão pelos muriquis vem desde quando eu era criança em Governador Valadares, cidade vizinha à Caratinga, onde já existia o projeto de longo prazo liderado pela Dra. Karen Strier (University of Wisconsin-Madison, EUA).
Amda – Em sua opinião, as ações já desenvolvidas reduziram o risco de extinção da espécie de forma significativa ou ele é ainda muito elevado? Por favor, explique.
Fabiano Melo – Com certeza sim, a própria consolidação de um Plano de Ação Nacional (PAN) Muriquis, coordenado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB/ICMBio), em parceria com diversas instituições nacionais e internacionais, em 2010, é o melhor exemplo disso.
Hoje temos mais muriquis conhecidos e, também em função de pesquisas realizadas por vários colegas, como pela própria Dra. Karen Strier, pelo prof. Sérgio L. Mendes (UFES) e pelo prof. Maurício Talebi (UNIFESP e Associação Pró-Muriqui), temos as populações de muriquis mais conhecidas, ainda mais protegidas e com melhor status de conservação.
Amda – Poderia citar algumas das ações que foram e continuam sendo efetivadas no âmbito do projeto?
Fabiano Melo – O PCMM começou tem pouco tempo, mas ações prévias já tinham sido executadas por biólogos que hoje compõem o quadro da ONG MIB – Muriqui Instituto de Biodiversidade, como o monitoramento de novas populações (RPPN Mata do Sossego e Parque Estadual da Serra do Brigadeiro). Mais recentemente, realizamos uma ação de translocação, que é a retirada de um indivíduo de uma área e seu transporte para outra área onde existem muriquis nativos. Tudo isso para reforçar populações pequenas e garantir a sobrevida delas.
Amda – Quais são as principais ameaças à espécie atualmente?
Fabiano Melo – Atualmente, o desmatamento e a caça continuam sendo as maiores ameaças. Infelizmente, a febre amarela também pode se tornar uma epidemia e dizimar populações inteiras. Felizmente, para os muriquis, parece-nos que a febre amarela não prevalece de forma tão intensa.
Amda – O muriqui-do-norte é uma das poucas espécies da fauna brasileira que possui um Plano de Ação Nacional elaborado pelo ICMBio. Contudo, algumas ações ainda não foram implementadas ou apresentam entraves de execução, especialmente por falta de recursos. Qual é sua avaliação sobre isto?
Fabiano Melo – Sem dúvida alguma, a falta de financiamento é um dos nossos maiores gargalos. Além do próprio governo, precisamos da ajuda de empresários e empresas dispostas a lutar pela causa, como está sendo feito pela Reserva do Ibitipoca, uma empresa que possui em sua propriedade indivíduos de muriquis-do-norte na região de Lima Duarte (MG). Com apoio da Reserva, estamos levando a cabo uma das ações de manejo mais importantes do PCMM, que é a translocação de fêmeas de muriquis para recolonizar a área.
Amda – Quais instituições têm sido importantes nesta luta?
Fabiano Melo – Dentro do escopo do PCMM, além das já mencionadas instituições, Fundação Grupo Boticário, MIB e Reserva do Ibitipoca, temos parceria com a Biodiversitas, que é a ONG proponente do programa, as universidades federais de Goiás (UFG/Regional Jataí) e de Viçosa (UFV) e a empresa Storm Security, que está nos ajudando com a construção de um drone especializado na busca por muriquis, que estamos chamando de “drone-qui”.
Amda – As mudanças climáticas também são alvo do projeto. Como esse estudo poderá auxiliar na conservação dos muriquis?
Fabiano Melo – Estamos vendo a todo momento que as mudanças climáticas em curso estão não só ameaçando a vida selvagem, mas especialmente, nós humanos. A ideia do programa é tentar entender como mudanças e impactos futuros podem gerar redução ou aumento nas áreas de florestas onde vivem os muriquis, de modo que possamos interferir com a antecedência necessária e salvaguardar aquelas populações em melhores condições, bem como manejar populações ameaçadas pelas mudanças futuras.
Amda – Quantos bandos de muriquis e quantos indivíduos em cada um deles foram identificados e onde vivem?
Fabiano Melo – Temos 12 populações conhecidas no Brasil, sendo que a maioria delas ocorre em Minas Gerais. Aproximadamente 900 muriquis são conhecidos, distribuídos no extremo sul da Bahia, nordeste de Minas, leste e zona da mata mineira, sul de Minas e região serrana do Espírito Santo.
Amda – A derrubada da Mata Atlântica foi o principal motivo do risco de extinção dos muriquis. Mas a caça teve também papel significativo. Hoje, ainda há ocorrência disto?
Fabiano Melo – Exato. O grande vilão pela diminuição drástica das populações de muriquis ao longo das décadas (últimos dois séculos) é de fato o desmatamento desenfreado da Mata Atlântica. A caça exerceu papel definitivo em populações pequenas e isoladas, especialmente no sul da Bahia, onde não encontramos mais muriquis (com exceção do Parque Nacional do Alto Cariri, situada em Guaratinga, BA). Ainda assim, temos relatos de caça à espécie em áreas protegidas, como o Parque Nacional do Caparaó, na divisa com o Espírito Santo. Portanto, a caça ainda é uma ameaça constante.
Amda – Há indícios de que as comunidades do entorno onde vivem os bandos de muriquis possam ser consideradas hoje como apoiadoras do projeto?
Fabiano Melo – Sem dúvida alguma, projetos de médio e longo prazos, como da RPPN Feliciano M. Abdala, em Caratinga, coordenado pela profa. Karen Strier, e da RPPN Mata do Sossego, coordenado pela MSc. Fernanda Tabacow, são exemplos clássicos desse trabalho onde o envolvimento da comunidade é essencial para a proteção da espécie e do hábitat onde ele vive. Tanto a Preserve Muriqui quanto a Biodiversitas (respectivas ONGs que cuidam de ambas as RPPNs) desenvolvem projetos específicos com a comunidade do entorno, reforçando a importância das pessoas e das pequenas propriedades neste contexto da conservação.
Amda – Em sua opinião, como o Muriqui Instituto de Biodiversidade (MIB), do qual é principal fundador, fortalecerá a luta pela proteção e aumento das populações de muriquis?
Fabiano Melo – O MIB é uma ONG recém-fundada e já tem uma excelente e intensa história de vida. Acredito que unindo os nossos ideais, podemos depurar financiamento e ações em prol da conservação dessa espécie. Usando o próprio muriqui como espécie bandeira e uma espécie guarda-chuva, conseguimos sensibilizar as pessoas da necessidade de se preservar o seu hábitat. Assim, preservamos a biota que nele vive, garantindo não só sua própria conservação, mas de toda a fauna e flora, bem como dos solos e dos recursos hídricos. É uma ciranda do bem, onde o maior beneficiado é o homem.