Nunca perdemos tantos animais desde que o homem surgiu no planeta
“Estamos passando por um momento importante e crítico na conservação da fauna brasileira”, afirmou Mauro Galetti, vice chefe do Departamento e vice coordenador da pós-graduação em Ecologia e Biodiversidade da Unesp/SP. Ele é biólogo, mestre em Ecologia e doutor em Biological Sciences pela University of Cambridge, Inglaterra. Seu trabalho de doutorado na área de Natureza e Sociedade foi premiado pela organização WWF como melhor tese. Desde 1998, Galetti é professor adjunto da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), onde leciona para a graduação e pós-graduação. Ele ainda é editor da América Latina da revista Biological Conservation.
Galetti está finalizando uma pesquisa sobre a extinção de animais. Até agora, a previsão é de que, nos próximos 30 anos, 610 espécies desaparecerão. “Particularmente nos últimos 50-80 anos, com a Revolução Industrial, estamos destruindo muitos habitats, acelerando os níveis de defaunação e deixando as florestas sem animais. Uma floresta sem animal é uma floresta morta”, afirmou.
Confira a entrevista da Amda com Galetti:
Amda – Como surgiu o interesse pela área ambiental e qual caminho o levou para a fauna?
Mauro Galetti – Quando iniciei minha graduação em Biologia na UNICAMP tinha interesse por animais e comecei a frequentar a Mata de Santa Genebra, ao lado da Universidade. No começo ia uma vez por semana observar aves e mamíferos, depois duas e no final do meu curso ia quatro vezes por semana, sempre bem cedo, antes das aulas. A mata foi meu laboratório vivo, onde aprendi a identificar animais e plantas, entender seus comportamentos e porque os animais são tão importantes para a floresta.
Amda – Quais são os maiores desafios e ameaças para a fauna silvestre?
M.G – Acho que estamos passando por um momento importante e crítico na conservação da fauna brasileira. Enquanto de um lado o combate à caça de animais silvestres é proibido por lei, animais exóticos invasores estão se proliferando no Brasil, como o javali e a lebre. Nossa legislação não separa a fauna exótica da nativa, e as discussões sobre caça são sempre baseadas em interesses políticos e não possuem base científica. O maior desafio hoje é colocar ciência no poder público, colocar anos de estudos em políticas eficazes de proteção à natureza.
Amda – Pode explicar a diferença entre defaunação global, regional e funcional?
M.G – A defaunação é a extinção global, regional ou mesmo funcional de um animal. Uma extinção global seria, por exemplo, um Dodô ou Tigre-da-Tasmânia. Essas espécies nunca mais veremos. Uma extinção regional é, por exemplo, a redução da distribuição de uma espécie. Uma onça-pintada que ocorria em toda a Mata Atlântica e que hoje ocorre em menos de 10 locais. A extinção funcional é o papel do animal no ambiente. Algumas áreas até podem ter uma ou duas onças-pintadas, mas o papel de predador de topo desse animal não existe mais ali.
Amda – Estamos vivendo o maior evento de defaunação desde que o homem surgiu no planeta. Qual é a estimativa de espécies que poderão desaparecer e as próximas gerações sequer as conhecerão?
M.G – Estamos terminando um trabalho onde listamos 610 espécies de animais que serão extintos nos próximos 30 anos. Ou seja, nossos filhos deixarão de conviver com 610 espécies de animais.
Amda – Qual a importância dos animais para a regulação do clima no planeta?
M.G – Muita importância. Os animais que comem frutos e plantam as florestas também regulam o clima. A regulação do clima, entre outras coisas, passa pelo balanço de CO2 na atmosfera. Sabemos que a queima de combustíveis fósseis pelo homem está liberando muitas toneladas de CO2, que é um gás de efeito estufa. As plantas absorvem CO2 e o transformam em tecido de crescimento. Nossos estudos têm mostrado que as plantas que mais “absorvem” CO2 são árvores grandes e de madeira dura. Essas árvores possuem suas sementes dispersadas por animais grandes como antas, muriquis e bugios. Sem esses animais, a floresta torna-se composta por plantas de baixa capacidade de estoque de carbono.
Amda – Enquanto professor, você enxerga mudanças nos seus próprios alunos no que diz respeito ao comportamento e conscientização sobre os animais?
M.G – Sim. Alguns alunos ainda querem estudar apenas as espécies mais emblemáticas, como baleias e micos-leões, mas outros já começam a compreender a necessidade de estudar o que eu chamo da fauna do Antropoceno, como a lebre, o javali, e outros animais menos carismáticos.
Amda – Qual sua opinião sobre a postura das autoridades competentes em relação à proteção da fauna?
M.G – Bom, se quisermos proteger a fauna brasileira devemos criar guardas-parques nas nossas Unidades de Conservação. Guardas-parques que tenham autoridade de polícia, sem isso, estamos apenas enxugando gelo.
Amda – O deputado federal Valdir Colatto (MDB/SC) é autor do Projeto de Lei 6268/16 que libera a caça de animais silvestres no Brasil. Qual sua opinião a respeito?
M.G – O problema da caça de animais é que sua liberação está ligada geralmente a setores da sociedade que vangloriam o machismo, o porte de arma e sua liberação, o não respeito ao próximo e muito menos o respeito ao animal. Se olharmos friamente, o problema é bem mais complexo que simplesmente liberar a caça.
Se, por um lado, existem populações ribeirinhas na Amazônia em que a caça é uma das únicas formas de obtenção de proteína animal quando falta o peixe, por outro lado existe uma parcela da sociedade que quer vender armas e matar qualquer espécie e pendurar na parede. Se proibirmos a caça na Amazônia, muitas populações tradicionais derrubam a mata, “plantam” pasto e colocam vacas para suprir sua demanda de proteína.
Eu sou contra a liberação da caça, mas acredito que muitas espécies possam e devam ser manejadas pelo homem. No caso do javali e da lebre, que são exóticos e causam prejuízos enormes ao meio ambiente e à lavoura, é importante testarmos outras formas de controle que não seja dando um tiro no animal. Talvez até cheguemos à conclusão que a única forma de controle do javali seja a caça, mas isso depois de dados que comprovem essa alternativa.
Para os animais silvestres, como capivara, queixada ou caturritas, por exemplo, temos que colocar nossa melhor ciência para manejar as espécies, entender porque elas estão aumentando na área, como podemos controlá-las, enfim, usar a ciência para manejar a fauna.
Eu não entendo o PL do deputado federal como um avanço no manejo de fauna do Brasil, pois não teve embasamento científico da Sociedade Brasileira para o Progresso das Ciências (SBPc). Um tema tão complexo não pode virar lei sem um debate amplo e com dados científicos.
Amda – Há algum fato positivo em suas pesquisas que possa citar?
M.G – Sim, muitas espécies estão aumentando suas populações. Conseguimos tirar algumas da lista de ameaçadas e os programas de reintrodução de espécies estão aumentando em todo o Brasil. A reintrodução de fauna hoje é um tema importante em todo o país e no mundo.