Amnésia climática
Por Carlos Bocuhy
Os governos estão mergulhados cada vez mais em estado de amnésia climática. Esquecem os recentes eventos extremos e acordos iniciados que poderiam salvar milhões de vidas. Alimentam o aumento da extração e uso de combustíveis fósseis, como se não houvesse amanhã.
Em Meca, na Arábia Saudita, a temperatura de verão atingiu 49ºC durante a peregrinação anual muçulmana, o Hajj, o que ocasionou dezenas de mortes e 2.700 atendimentos por exaustão ao calor.
Enquanto isso, na Líbia, a população está abandonando suas terras e gado na aldeia de Kabao, onde os campos eram “verdes e prósperos até o início do milênio e as pessoas gostavam de vir e caminhar até lá”, afirma M´hamed Maakaf, agricultor local. As oliveiras, figueiras e amendoeiras estão desaparecendo com o intenso calor e falta de chuvas.
A luta contra as mudanças climáticas está profundamente minada por questões financeiras. A conferência preparatória de Bonn transformou-se em jogo de empurra global. Ninguém quer pôr a mão no bolso.
Enquanto os países desenvolvidos se recusaram a ser os únicos a desembolsar recursos, pressionam para ampliar a base de contribuintes, definida em 1992, agregando países que agora se tornaram grandes potências econômicas e grandes poluidores, como a China ou os países do Golfo. “Não pretendemos fazer parte de sua responsabilidade“, respondeu o delegado da China, rejeitando o pedido. “A China teme um efeito dominó em seu status de país em desenvolvimento em outras áreas, que lhe são caras”, diz Lola Vallejo, conselheira especial para o clima do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais (IDDRI).
Em outras palavras, as nações mais ricas estão profundamente mergulhadas em interesses domésticos que geram estado de multilateralismo pouco colaborativo – sem a intenção de abandonar seus interesses geopolíticos domésticos nas mesas de negociação.
A conferência de Bonn de 2024 se caracterizou como uma nau dos esquecidos, repleta de “amnésia coletiva” ou cegueira seletiva, em um planeta que registra contínua piora de eventos extremos.
Recentemente foi registrada a ecoansiedade que vem atingindo os cientistas climáticos ao redor do mundo, conforme revela uma série de entrevistas conduzidas pelo jornal britânico The Guardian. A mesma frustração que atinge os cientistas vem atingindo os observadores das conferências climáticas.
Não resta dúvida sobre quais medidas a humanidade deve tomar, entre outras: assumir compromissos para fazer cessar a exploração e queima de combustíveis fósseis; fazer cessar as alterações de uso do solo com perda de áreas florestadas (como ocorre no Brasil); e capacitar a sociedade humana com sistemas adaptativos de alertas precoces, introduzidos e estimulados pelas Nações Unidas desde 2022.
Além das evidentes dificuldades políticas, é preciso enfrentar o negacionismo climático e seus interesses corporativos. A começar pelo questionamento sobre o compromisso e isenção na condução das cúpulas climáticas, como ocorrerá agora no Azerbaijão, que segue a rota de sucessivas sedes em petroestados, como Egito e Emirados Árabes Unidos.
Os especialistas também estão preocupados com uma erosão da liderança climática da União Europeia, onde o parlamento europeu retroagiu em sua composição, apresentando perdas significativas de representações mais progressistas. Some-se a isso as expectativas das eleições britânicas em julho e as americanas em novembro. “A China está relutante em tomar decisões finais sobre o clima até saber quem será o futuro presidente dos EUA”, alerta Tom Evans, do Banco Comercial e Industrial da China (ICBC).
A incerteza política com a troca de cadeiras vem minando as posições globais, para além dos efeitos dos conflitos armados localizados como Ucrânia, Gaza e mais de uma centena em curso, conforme relata a Academia Internacional de Genebra.
Dessa forma, desenha-se um caminho para a COP29 do Azerbaijão repleto de instabilidades e incertezas políticas que minam os caminhos da sustentabilidade dos acordos climáticos. Some-se a isso os resultados decepcionantes da cúpula do G7, que ocorreu na Itália, entre 13 e 15 de junho: “Nossos líderes não estão liderando. Os países do G7 estão adotando uma data de eliminação gradual inadequada do carvão e endossando o aumento da produção de gás fóssil, enviando um sinal terrível em um momento em que os países deveriam se concentrar em acelerar a eliminação gradual, não em atrasá-la”, afirmou Bronwen Tucker, líder de Finanças Públicas da Oil Change International.
Nesse contexto dúbio e conflituoso, o Brasil deverá assumir papel de liderança, pois romperá um longo caminho de conferências climáticas percorrido em petroestados. Mas nenhuma renovação ocorrerá sem o devido alinhamento com sustentabilidade climática, o que obrigará o governo brasileiro a repensar várias posturas antiambientais que vêm sendo adotadas pela Casa Civil e Ministério de Minas e Energia.
Há poucos alentos e esperanças no cenário internacional, o que lança sobre o Brasil maior responsabilidade humanitária na condução da COP30, no final de 2025, que terá por missão o estabelecimento de novas metas nacionalmente determinadas como mecanismos efetivos para redução da queima de combustíveis fósseis.
*Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).
Fonte: O Eco