“Óleo na pista” do Brasil na COP28
*Bruno H. Toledo Hisamoto
A dança era simples: entre um passo e outro, mostrar os números recentes do desmatamento em queda na Amazônia, a retomada da fiscalização ambiental e de instrumentos de financiamento florestal, a recuperação dos compromissos brasileiros de mitigação sob o Acordo de Paris, e fechar com uma pirueta no ar. “O Brasil voltou”. Não tinha como dar errado.
Pois é… Ao que parece, o governo brasileiro não ensaiou o suficiente. Pior: um dos dançarinos, o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia), resolveu jogar óleo na pista e transformar o que poderia ser um espetáculo admirável em um pastelão. Nem mesmo o presidente Lula, famoso pela ginga nesse tipo de palco, conseguiu ficar em pé. Sobrou para as ministras Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas) se desdobrarem para terminar a apresentação com alguma dignidade.
A comédia de erros do último final de semana em Dubai mostrou que o Brasil, futuro anfitrião da COP30 em 2025, precisa ensaiar muito e ajeitar as coisas dentro de casa antes de se colocar no palco global como uma liderança climática. Enquanto o governo em sua integralidade não levar a sério essa missão, o risco de um constrangimento diplomático para o país seguirá alto.
A cilada da OPEP+
Antes de chegar aos Emirados Árabes, o presidente Lula visitou a Arábia Saudita, principal produtora global de petróleo e a cabeça pensante da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Em Riad, o presidente usou os anfitriões como um exemplo para o Brasil se transformar em uma potência global das fontes renováveis de energia. “Queremos ser a Arábia Saudita da energia verde”, disse.
Infelizmente, a inspiração saudita parece ter impregnado alguns setores do governo brasileiro a ponto de acharem uma boa ideia anunciar, do nada, a adesão do país ao clube plus da OPEP em plena COP climática. Principal entusiasta da ideia, Alexandre Silveira não esperou Lula nem pisar direito no chão de Dubai antes de confirmar e celebrar a notícia.
Por mais “fértil” que possa ser a cabeça de algumas pessoas no governo (Prates e sua Petrobras Arábia que o digam), não há argumentos racionais para justificar um anúncio desses em um momento no qual o Brasil e as demais economias são confrontadas com o desafio de definir a eliminação gradual dos combustíveis fósseis na COP28. A não ser, claro, que o objetivo de Silveira & Cia. fosse exatamente o de constranger o Brasil em Dubai e empurrar goela abaixo do presidente e de outros representantes do país na Conferência a defesa da exploração petrolífera. Se o objetivo foi esse, o ministro não poderia ter sido mais feliz.
Questionado, Lula fez uma defesa esquisita da decisão do governo. Para ele, a adesão do Brasil à OPEP+ seria um caminho para convencer os países petroleiros a acelerar a transição energética para fontes renováveis de energia. Ele só não explicou como isso aconteceria em um fórum no qual o Brasil seria um mero espectador, sem poder ou influência alguma para afetar as decisões do cartel do petróleo.
A defesa da adesão do Brasil à OPEP+ ficou ainda mais esquisita se comparada com o discurso do próprio presidente Lula na abertura da COP28. “É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente dos combustíveis fósseis”, disse. Ué? Vamos acelerar a descarbonização aderindo a um dos grupos geopolíticos mais atrasados nessa agenda?
Mocinho ou bandido?
Se o absurdo dessa posição ambígua fugia aos olhos do governo brasileiro, as organizações da sociedade civil que acompanham as negociações climáticas em Dubai fizeram questão de colocá-lo no alto do pódio dos absurdos desta COP para todos verem.
“O Brasil aparentemente confundiu produção de petróleo com liderança ambiental. [Isso] mina os esforços dos negociadores brasileiros em Dubai que estão tentando romper velhos impasses e agir com senso de urgência”, reclamou a Climate Action Network (CAN) ao “premiar” o Brasil com o Fóssil do Dia da última 2a feira (4/12) na COP28.
O pastelão da adesão do Brasil à OPEP+ na COP28 trouxe à luz algo que o governo brasileiro queria deixar longe dos holofotes em Dubai – o imbróglio em torno da exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. O IBAMA segue sob pressão da Petrobras e de setores do governo para liberar a licença do empreendimento, mesmo com os riscos ambientais que ele pode acarretar em um dos ecossistemas mais delicados do planeta.
Uma eventual liberação da exploração de petróleo na foz do Amazonas pode complicar as chances do Brasil se colocar como um líder climático faltando apenas dois anos para receber a COP30 no Pará. Se antes os observadores viam o discurso de Lula como um “sopro de ar fresco”, agora o país pode ser alvo de desconfianças e pressão internacional.
A própria CAN já dá o tom das cobranças que virão. “Brasil, não queremos um passeio pelos campos de petróleo quando estivermos em Belém em 2025. E, se você quiser ingressar em um clube, sugerimos que siga o seu vizinho, a Colômbia, que aderiu ao Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis”.
*Bruno H. Toledo Hisamoto é doutor em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), professor de política e economia internacional e especialista em negociações climáticas do Instituto ClimaInfo.
Fonte: ClimaInfo