O Pico do Petróleo e a mudança da matriz energética global
*José Eustáquio Diniz Alves
A transição energética global atingiu um ponto crucial em que os combustíveis fósseis provavelmente já atingiram o pico em seu uso.
O “Pico do petróleo” ou “Pico de Hubbert” (Hubbert’s peak) é uma teoria que modela a produção de petróleo indicando que as descobertas e a produção seguem, de início, a forma de uma curva logística – apresentando um crescimento lento no começo, se acelerando em um estágio posterior até um pico e depois se desacelerando até se inverter e fazer o movimento logístico para baixo. Ou seja, a produção de petróleo segue o comportamento de uma curva normal, ou em forma de sino (curva de Gauss).
A teoria foi desenvolvida pelo geofísico americano M. King Hubbert, que publicou um artigo, em 1956, mostrando que o pico (máximo da produção) de petróleo, no mundo, deveria ser atingido em torno de 50 anos. Depois deste pico, a produção continuaria, mas cairia rapidamente, podendo criar um grande desequilíbrio entre a demanda e a oferta, o que geraria um enorme aumento do preço dos combustíveis fósseis.
A teoria do “Pico do petróleo” já foi contestada e abandonada, mas sempre renasce como uma fênix. É o que mostra um relatório da consultoria RMI – uma organização sem fins lucrativos que pesquisa e defende uma mudança na matriz de energia.
A transição energética global atingiu um ponto crucial em que os combustíveis fósseis provavelmente já atingiram o pico em seu uso para a produção de eletricidade e estão prestes a entrar em um período de declínio, enquanto as energias renováveis ganham impulso.
O uso dos combustíveis fósseis já atingiu um platô e deve começar a cair a partir de 2025. O uso de energia nuclear, hidrelétrica e biomassa de continuar mais ou menos estável e as energias eólica e solar devem crescer com rapidez. As energias eólica e solar estão passando por um crescimento que se parece quase exatamente com as linhas de tendência para os estágios iniciais de produtos e indústrias transformadoras, em todas as tecnologias e épocas, como automóveis e smartphones.
O crescimento começa devagar, com custos elevados, e acelera à medida que os custos diminuem e a eficiência aumenta. O otimismo dessa perspectiva é chocante em sua clareza e contrasta com o pessimismo que os combustíveis fósseis representam para a crise climática
Os preços dos combustíveis fósseis não tiveram declínio estrutural no século passado, porque a inovação tem sido contrabalançada pelo esgotamento das reservas. No entanto, os preços das energias renováveis caiu drasticamente. Segundo o relatório da RMI, as energias renováveis estão sujeitas a um aumento de escala, pois quanto maior for a produção, mais barato elas ficam.
Os painéis solares, por exemplo, têm uma curva de aprendizado de 28%. Nos últimos cinco anos, as energias renováveis tornaram-se indiscutivelmente mais baratas do que os combustíveis fósseis na maior parte do mundo.
De fato, as energias renováveis estão crescendo rapidamente e de maneira exponencial, conforme mostram os gráficos abaixo. A geração solar dobrou a cada 2-3 anos desde 2000 e cresceu 32% na taxa de crescimento anual composta (CAGR) na última década. A geração eólica foi dobrando a cada 3-4 anos desde 2000, e cresceu em um CAGR de 16% na última década. Em 2021, as energias solar e eólica forneceram 3.000 de 28.000 TWh.
As projeções indicam a continuidade da expansão. A RMI considera que a geração de energias renováveis pode aumentar de 15% a 20% ao ano nesta década. Assim, até 2030, as energias solar e eólica fornecerão entre 10.000 e 15.000 TWh de eletricidade, ajudando a reduzir as emissões de CO2 nos próximos anos.
O rápido crescimento das energias renováveis estimulam o abandono gradual dos combustíveis fósseis. Neste sentido, entidades ambientalistas enviaram carta às autoridades brasileiras, lembrando dos riscos socioambientais envolvendo a construção do gasoduto Nestor Kirchner, na Argentina, que poderia receber apoio do BNDES.
O gasoduto, foco de conflito com indígenas mapuche no país vizinho, deverá transportar gás de xisto, extraído por um processo de fraturamento hidráulico de rochas chamado “fracking”, que tem alto impacto ambiental e foi banido em diversos países .
As energias eólica e solar forneceram mais eletricidade para a União Europeia (UE) do que qualquer outra fonte de energia pela primeira vez na história. Juntos, elas forneceram um recorde de um quinto da eletricidade da UE em 2022 – uma parcela maior do que o gás ou a energia nuclear.
Adições recordes de novas energias eólica e solar em 2022 ajudaram a Europa a sobreviver a uma “crise tripla” criada por restrições no fornecimento de gás russo, uma queda na energia hidrelétrica causada pela seca e interrupções inesperadas de energia nuclear.
Sem dúvida, só haverá futuro se ele for renovável. Contudo, mesmo que o mundo consiga chegar a 100% de energia renovável em 2050, a concentração de CO2 na atmosfera (que já está em torno de 421 ppm) pode ultrapassar 500 ppm até 2050 e tornar o aquecimento global incontrolável nos limites necessários para evitar uma tragédia ambiental e civilizacional.
Além do mais, existem muitas dúvidas se o aumento da capacidade instalada de energias renováveis será capaz de funcionar em uma rede inteligente global. Gail Tverberg considera que existe muita ilusão sendo vendida em nome das energias “limpas”.
Embora, sem dúvida, o avanço da transição energética é melhor do que a dependência dos combustíveis fósseis. O sol e o vento são recursos naturais abundantes e renováveis, mas, certamente, não podem fazer milagres e nem evitar o imperativo do metabolismo entrópico, como ensina a escola da Economia Ecológica.
A humanidade já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta. Como alertou o ambientalista Ted Trainer, as energias renováveis não são suficientes para manter o crescimento exponencial da expectativa das pessoas por um alto padrão de consumo conspícuo.
Trainer prega uma civilização mais frugal, com decrescimento demoeconômico, onde as pessoas adotem um estilo de vida com base nos princípios da Simplicidade Voluntária.
O mundo precisa urgentemente descarbonizar a economia e recuperar os ecossistemas, além de ampliar as áreas anecúmenas e promover o bem-estar de todas as espécies vivas do Planeta. Zerar o desmatamento e as queimadas, plantar árvores, recuperar as florestas e reduzir as emissões de gases de efeito estufa são tarefas que precisam ser colocadas em prática urgentemente.
Não haverá um mundo pacífico e sustentável se não for planejado o fim do mundo dos combustíveis fósseis e dos privilégios sociais que o petróleo sustenta.
Como disse Faith Birol, economista chefe da IEA: “Devemos deixar o petróleo antes que ele nos deixe”. A mudança da matriz energética é fundamental para a descarbonização da economia e para a criação de um modelo econômico mais sustentável.
*José Eustáquio Diniz Alves é possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG (1980), mestrado em Economia (1983), doutorado em Demografia pelo CEDEPLAR-UFMG (1994) e pós-doutorado pelo Nepo/Unicamp.
Fonte: Eco Debate