O pulso do Pantanal
*Ilona Szabó de Carvalho
Crise climática, desmatamento da Amazônia e a expansão da fronteira agrícola estão secando o bioma.
O Pantanal é um dos seis biomas que fazem do Brasil um dos países mais biodiversos e detentor das maiores reservas de água doce do planeta. Infelizmente, assim como os outros cinco, encontra-se ameaçado.
O Pantanal tem um pulso próprio: uma época de cheia e uma de seca. Nos últimos anos, enfrenta uma forte seca. Dados do MapBiomas mostram 29% de perda de superfície de água comparando os dois picos de cheia dos últimos 37 anos. Houve perda de área alagada e diminuição do tempo de inundação. Se em 1988 o Pantanal ficava alagado por seis meses, em 2018 a cheia se concentrou em dezembro e janeiro.
O pulso é o próprio Pantanal. As áreas úmidas são características do bioma. Se não há cheia, a vida não se renova. A água traz o alimento para a vida abundante da região. A seca também trouxe mudança do padrão de queimada, e os incêndios tornaram-se mais intensos e severos. Em 1999, o Pantanal queimou nas bordas, onde a vegetação campestre prevalece, já em 2020 o fogo atingiu as áreas florestadas da região.
Tive a oportunidade de conhecer a beleza incomparável da região. Se por um lado me encantei com os animais, paisagens e vegetação, por outro fui tocada pela seca extrema, por animais mortos ao buscar água e pelas marcas visíveis do fogo. Naveguei por rios rasos —secos ou assoreados—, conversei com ribeirinhos e fazendeiros e pude sentir a apreensão geral, sintetizada pelo engenheiro florestal Tasso Azevedo: a ruptura climática está acontecendo no Pantanal, aqui e agora.
Mas por que o Pantanal está secando?
Há vários fatores interligados, incluindo a crise climática, que aumenta os períodos secos e faz com que as chuvas se concentrem em um curto período de tempo, o desmatamento na Amazônia, que diminui os rios voadores, e a expansão da fronteira agrícola, que usa os recursos hídricos e faz intervenções em seu curso na região do cerrado, planalto onde nascem muitos dos rios que descem para a planície pantaneira, e que também está sob forte pressão.
Além da seca, o assoreamento dos rios da planície com os sedimentos da agricultura no planalto também é motivo de preocupação. O rio Taquari é o exemplo mais dramático desta situação. Neste contexto, torna-se fundamental apoiar os esforços da sociedade civil local que trabalha para aliar a proteção do bioma ao desenvolvimento sustentável.
A SOS Pantanal lidera a petição #PantanalNãoÉLugarDeSoja, o Instituto Homem Pantaneiro coordena as brigadas de incêndio no alto pantanal, os Institutos Arara Azul e Onçafari protegem espécies ameaçadas de extinção, e o Documenta e o Acaia Pantanal participam junto com as outras de esforços de conservação, como a criação de um corredor ecológico.
Ao visitar o bioma, priorizem os estabelecimentos parceiros dessas iniciativas, comprometidos com o ecoturismo sustentável.
Essas organizações ensinam que proteger as nascentes e cabeceiras dos rios no cerrado, assim como recuperar áreas degradadas, cessar o desmatamento na Amazônia e livrar o Pantanal da tentação da monocultura é fundamental. A região vizinha de Bonito pede socorro e dá o alerta, com seus principais rios e corpos d’água ameaçados pelo avanço do cultivo de soja em regiões de banhado, sensíveis a qualquer alteração.
Os governos estaduais e federal precisam agir. Ações de mitigação e adaptação climáticas são urgentes para aliviar as consequências para a população. Governadores devem cumprir os compromissos assinados em iniciativas como a Carta Caiman de 2016, deixados de lado em decisões recentes como a do Governo de Mato Grosso, que acaba de sancionar lei que flexibiliza a proteção do bioma.
O novo governo federal precisa avançar na criação da lei específica para o Pantanal, que garanta sua proteção como patrimônio da humanidade, como previsto na Constituição de 1988.
O Pantanal também pulsa por nós.
*Ilona Szabó de Carvalho é empreendedora cívica, mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia). É autora de “Segurança Pública para Virar o Jogo”.
Fonte: Folha de S. Paulo