Diminuir faixas de preservação permanente é potencializar tragédias nas cidades
* Malu Ribeiro
Sancionada no final do ano passado, a Lei 14.285 modifica o Código Florestal e repassa aos municípios a definição de regras específicas de uso e ocupação do solo nas Áreas de Preservação Permanente (APPs) de margens de rios e mananciais.
Essa fragilização da lei está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal por reduzir a proteção ambiental no Brasil e potencializar riscos de vida e de saúde pública à população urbana.A ocupação das APPs para moradias ou atividades comerciais é de alto risco e tende a ampliar as tragédias anunciadas, vitimando pessoas a cada evento climático extremo.
Neste momento de crise hídrica e sanitária em que o mundo está atento e em busca de soluções para enfrentamento das mudanças do clima, os legisladores deveriam estar empenhados em aperfeiçoar normas ambientais capazes de tornar nossas cidades resilientes.
Mas, infelizmente, com essa flexibilização, o Congresso Nacional atuou em sentido contrário, atendendo à pressão do setor imobiliário, à visão imediatista e de negação do conhecimento científico. É importante resgatar que as faixas de preservação permanente urbanas – além dos serviços ambientais e ecossistêmicos que prestam – são áreas de risco, suscetíveis a enchentes, deslizamentos e problemas sanitários quando ocupadas de forma inadequada.
As intervenções e ocupações nas faixas de proteção de rios e mananciais urbanos comprometem a qualidade da água, a dinâmica das bacias hidrográficas e, por consequência, a saúde pública para além dos limites do território do município. Por esse motivo a definição das regras de proteção e do tamanho das faixas de APP de cursos d’água não pode se caracterizar meramente como de interesse local.
A própria Constituição Federal determina que a água e as florestas são bens de interesse coletivo, patrimônios naturais que devem ser regulados pela União e Estados, deixando os municípios responsáveis por questões de interesse local.
Casos recentes de impactos decorrentes de enchentes em diversas regiões do Brasil deixam evidente a gravidade das consequências e o perigo de intervenções e ocupações indevidas ao longo dos cursos d’água em áreas urbanas. É um duplo flagelo social em que pessoas sem acesso a programas habitacionais são levadas a ocupar áreas de risco, sem acesso ao saneamento básico e a condições dignas de moradias.
Cuidar adequadamente do uso e ocupação do solo nas cidades, de forma a promover o uso social e ambiental do território, é dever dos municípios.
O risco de insegurança jurídica da Lei é alto, em que pese a nova norma estabelecer que em áreas urbanas consolidadas, devem ser ouvidos os conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente, o município poderá definir as faixas protetivas, menores do que estabelece o Código Florestal, desde que não sejam áreas de risco de desastres e que sejam observadas as diretrizes do plano de recursos hídricos, do plano de bacia, do plano de drenagem ou do plano de saneamento básico.
É evidente o potencial de risco e de conflitos se cada um dos 5.568 municípios e os distritos federais de Brasília e Fernando de Noronha passarem a definir faixas diferentes de uso e ocupação do solo nas margens de rios e cursos d’água. Assim como é notória a omissão da União em definir regras gerais e harmônicas para o uso dos recursos naturais no país, repassando sua competência aos entes federados.
Por isso, a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre essa matéria é de grande importância para a sociedade que deve estar atenta e priorizar, nesta eleição, os candidatos e candidatas que tenham compromisso com a causa ambiental, que nada mais é que a causa da vida.
*Malu Ribeiro é diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.
Fonte: Congresso em Foco