Opinião

Condenação evitável

*Maria Dalce Ricas

A BrasilAgro/Companhia Brasileira de Propriedades Agrícolas, propriedade da argentina Cresud, quer derrubar 10.820 hectares de Cerrado no município de Bonito de Minas, e substituí-lo por capim para criação de gado e culturas de sequeiro.

O processo foi pautado na reunião da Câmara de Atividades Agrosilvopastoris do Copam realizada no dia 22 de março. Em ofício encaminhado à Marília Mello, Secretária de Meio Ambiente, 51 entidades, incluindo a Amda solicitaram que o processo seja retirado de pauta para discussão e esclarecimento das falhas apontadas, relativas aos estudos ambientais e ao parecer técnico da Supram Norte, que é favorável ao desmatamento.

Após horas de discussão, a Semad optou pela retirada, desagradando a empresa e a Secretaria de Agricultura. A área que a BrasilAgro quer desmatar, está inserida na Área do Proteção Ambiental de Cochá e Gibão, na Zona de Amortecimento do Parque Estadual Veredas do Peruaçu, e parcialmente na APA Federal Peruaçu. O cachorro-do-mato-vinagre, julgado extinto em Minas por mais de um século, foi redescoberto no parque. A região abriga também população de onçaspintadas, espécie gravemente ameaçada no país. A derrubada do Cerrado reduzirá drasticamente a área de alimentação dessas e de outras espécies e terá consequências imprevisíveis sobre suas populações. Uma matilha de cahorros-vinagres necessita de 14.000 hectares para sobreviver.

A área abriga inúmeras veredas nas cabeceiras dos rios Cochá e Peruaçu. Proteger o Cerrado que a cobre é fundamental para abastecimento das mesmas, desses rios e de lençóis freáticos, numa região que vem sofrendo a cada ano redução significativa de disponibilidade hídrica. O Parecer Único da Semad e o Estudo de Impacto Ambiental praticamente desconsideram os impactos sobre a fauna e o parque.

Devido às pouquíssimas chuvas, que têm tido redução expressiva nos últimos 15 anos, indicando uma mudança no clima da região Norte de Minas, projetos agropecuários e de silvicultura vêm enfrentando grandes dificuldades de sobrevivência.

Muitos foram abandonados. Proteger o Cerrado é proteger a água; é proteger comunidades que habitam a região e sobrevivem da coleta de frutos que este rico bioma generosamente oferta. O governo não tem política para protegê-lo, não cria um metro de unidades de conservação, e quer autorizar derrubar o que dele resta.

*Maria Dalce Ricas é superintendente executiva da Amda.

Fonte: Revista Ecológica