Opinião

Covid e meio ambiente: impactos e retrocessos para a agenda sustentável

*Por Mariana Napolitano

Na semana em que completamos um ano desde que a Organização Mundial da Saúde declarou a covid-19 uma pandemia, temos um triste balanço que acumula tragédias pessoais para milhões e um enorme retrocesso econômico e social, especialmente nos países mais vulneráveis. Todos os aspectos das nossas vidas foram impactados e nos questionamos quais os aprendizados que levaremos quando tudo isso acabar.

Segundo a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, as mudanças no uso da terra são a causa de mais de 30% das doenças infecciosas emergentes, como a covid-19. Assim, se quisermos minimizar a frequência, impacto e disseminação de novas pandemias, precisamos priorizar a manutenção de ecossistemas saudáveis, especialmente nas regiões tropicais nas quais o ritmo de desmatamento continua acelerado. As unidades de conservação, territórios indígenas e demais áreas conservadas por comunidades são uma das ferramentas mais eficientes para conter o desmatamento e a degradação dos habitats, tendo um papel importante para a redução do risco de novas zoonoses. Ao mesmo tempo, contribuem para a redução das emissões de carbono, a proteção da biodiversidade, garantem os meios de subsistência locais e geram uma série de outros benefícios para as populações humanas.

Muitas dessas áreas e de suas comunidades também foram severamente impactadas pela pandemia, é o que ressalta um dos onze artigos científicos que compõem uma edição especial da revista Parks Journal sobre covid-19 e áreas protegidas, lançada em março deste ano. A revista destaca que mais da metade das áreas protegidas da África e 1/4 das áreas protegidas da Ásia foram forçadas a interromper ou reduzir suas ações de conservação, como fiscalização e monitoramento. Mais de um terço de todos os guarda-parques da América Central relataram ter sido demitidos, um padrão seguido nos relatos da América do Sul e África. No Brasil, estima-se que o número reduzido de visitantes em Parques Nacionais e outras unidades de conservação (pelo menos 5 milhões a menos em 2019) pode ter acarretado numa perda de R$ 7 bilhões em vendas para empresas que trabalham direta e indiretamente com o turismo em áreas protegidas e mais de 55 mil empregos perdidos. Outro artigo, baseado em entrevistas e estudos de caso, detalha os graves efeitos diretos e indiretos da pandemia sobre os povos indígenas e as comunidades locais.

Embora seja impossível generalizar, existem temas comuns, como a decisão de algumas comunidades em se auto-isolar, o impacto da interrupção das festividades e da redução dos deslocamentos, e o aumento da importância das atividades de subsistência. Aqueles que estão melhor organizados, têm territórios maiores e protegidos de invasores foram mais resilientes aos impactos da pandemia, pois são menos dependentes da renda oriunda de empregos ou trabalhos precários para poderem se alimentar e viver com dignidade, já que foram capazes de manter suas roças e outras atividades essenciais para subsistência.

Mas essa não foi a situação de todas as comunidades indígenas e de outros povos da floresta. Mesmo durante a pandemia a devastação ambiental seguiu em ritmo acelerado, incentivada pelas ações e omissões do Governo Federal. De acordo com o ISA, mais de 2.400 hectares de floresta foram perdidos nas sete terras indígenas mais desmatadas na Amazônia brasileira, apenas nos seis primeiros meses da pandemia. Em função da diminuição nas ações de fiscalização e do aumento no valor do ouro, há um número recorde de garimpos clandestinos operando em terras indígenas em diversas regiões do país.

O caso dos Yanomami (Amazonas/Roraima) e Munduruku (Pará) são apenas os mais emblemáticos. Ainda, na semana passada, o país atingiu a triste marca de mais de 1 mil indígenas mortos pela COVID-19, segundo dados da APIB. Passado um ano, é possível avaliar, ainda que de forma preliminar, como os países estão incorporando a conservação da natureza nos esforços de recuperação pós-covid. Um dos artigos da edição especial afirma que enquanto 17 países incluíram a conservação da natureza em seus pacotes de recuperação pós-covid (como a criação de empregos verdes no Quênia, Nova Zelândia e Paquistão), pelo menos 22 países propuseram ou promulgaram 64 retrocessos que enfraquecem a proteção ambiental – Estados Unidos, Índia e Brasil aparecem com papel de destaque dentre esse grupo.

No Brasil, os exemplos mais recentes incluem a proposta de alteração no decreto que regulamenta a lei da Mata Atlântica (que retiraria a proteção de 110 mil km² de vegetação em ilhas e mangues), o corte orçamentário significativo na área ambiental (o menor valor dos últimos 21 anos), e a redução drástica no esforço de fiscalização e punição pelo cometimento de infrações ambientais.

Dentre aquelas que impactam diretamente as unidades de conservação e terras indígenas, estão a mudança na equipe das agências ambientais, retirando técnicos com experiência de anos da linha de combate ao desmatamento e gestão das áreas protegidas. Soma-se a isso as propostas de redução e extinção de áreas protegidas, como a Resex Chico Mendes e o Parque Nacional Serra do Divisor, o Parque Nacional São Joaquim e o Parque Nacional do Iguaçu, a proposta de mineração em terras indígenas sem o consentimento das comunidades afetadas e o estabelecimento de um grupo de trabalho que estuda a fusão do ICMBio e do Ibama.

O Brasil segue na contramão, enquanto algumas nações já entenderam que a recuperação econômica oferece uma oportunidade sem precedentes para fazerem mudanças rápidas em direção a investimentos verdes e sustentáveis. Investimentos em soluções baseadas na natureza, incluindo proteção e restauração das áreas protegidas e territórios de comunidades, podem promover saúde, serviços ecossistêmicos e benefícios de biodiversidade a longo prazo. Além disso, áreas protegidas bem administradas podem promover avanços na agenda do desenvolvimento social, incluindo a criação de empregos e a diversificação de alternativas de renda, produção de alimentos sustentável e acesso seguro à água potável.

Mariana Napolitano é gerente de Ciências do WWF-Brasil, com mais de 18 anos de atuação em unidades de conservação. Bióloga, tem doutorado em Ecologia, com ênfase no sistema de UCs do Tocantins, pela Universidade de São Paulo.
Fonte: Uol