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Opinião
O que o cumprimento da legislação ambiental tem a ver com a preservação dos sapos?
*Por Quezia Ramalho
Em 2018, ao entrar para o mestrado em Ecologia e Evolução, eu e meu grupo de pesquisa iniciamos um estudo utilizando modelagem preditiva de distribuição de espécies para avaliar os impactos das mudanças no clima e na cobertura florestal sobre dez anuros florestais e endêmicos da Mata Atlântica. Anuros são anfíbios conhecidos como sapo, rã e perereca e são extremamente sensíveis à essas mudanças. Isso porque possuem a pele fina e permeável e os seus modos reprodutivos são estritamente relacionados à água. Além disso, os anfíbios são o grupo de vertebrados terrestres mais ameaçado de extinção no mundo. E qual é a principal causa de extinção de espécies ao redor do mundo? Isso mesmo, a perda de habitat. O desmatamento é o grande condutor da perda de habitat e, dentre as principais causas do desmatamento, temos a expansão do agronegócio.
Nós concentramos nossos estudos na Mata Atlântica, um bioma severamente desmatado, com alta riqueza e endemismo de espécies e, portanto, considerado um dos 36 hotspots de biodiversidade no mundo. Um estudo recente estimou que restam cerca de 28% da cobertura florestal original da Mata Atlântica e, devido a ações como o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, é previsto um aumento da cobertura florestal nos próximos anos. Entretanto, em decorrência do constante descaso do atual governo com o meio ambiente, o desmatamento aumentou entre 2018 e 2019, com 14.502 hectares desmatados.
Consideramos dois cenários de mudança na cobertura florestal: um cenário pessimista e um cenário otimista. O cenário pessimista é sem o controle efetivo do desmatamento e sem ações de reflorestamento. Este cenário, apesar de não considerar o Código Florestal brasileiro (Lei nº 12.651 / 2012), considera o cumprimento da Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428 / 2006), por isso há pouca perda de floresta. Sem a aplicação da Lei da Mata Atlântica, como proposto pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o desmatamento do bioma poderia ser ainda pior. Já o cenário otimista, além de considerar o cumprimento da Lei da Mata Atlântica e do Código Florestal, ainda estabelece a não anistia dos pequenos proprietários de terra. Isso significa que todos os pequenos proprietários de terra deveriam reflorestar áreas previamente desmatadas antes do estabelecimento do Código Florestal. O cenário pessimista prevê que a Mata Atlântica permanecerá com aproximadamente 17 milhões de hectares de floresta em 2050, enquanto o cenário otimista prevê o ganho de aproximadamente 7 milhões de hectares decorrentes da restauração de áreas de Reserva Legal, totalizando 24 milhões de hectares.
Considerando apenas as mudanças climáticas, os resultados foram muito espécie-específicos, ou seja, cada espécie respondeu de uma maneira singular às alterações no clima previstas para 2050. Já considerando as mudanças na cobertura florestal, os resultados mostraram um padrão claro para todas as espécies. O que esperávamos aconteceu… No cenário pessimista, todas as espécies estudadas perderam adequabilidade de habitat, isto é, o habitat se tornou menos apropriado para a ocorrência das espécies. Já no cenário otimista, todas as espécies ganharam adequabilidade de habitat. O resultado mais surpreendente que encontramos foi que, além de melhorar a qualidade do habitat para a ocorrência das espécies, o reflorestamento também pode compensar os impactos negativos das mudanças climáticas, aumentando a adequabilidade ambiental total para as espécies.
Os nossos resultados demonstram a necessidade do cumprimento das leis ambientais e ressaltam a importância do reflorestamento das áreas de Reserva Legal para a biodiversidade de anuros florestais da Mata Atlântica. O atual governo prioriza “ir passando a boiada”, o que propicia o aumento de crimes ambientais, mas manter a floresta de pé é manter a biodiversidade. Nós precisamos descontruir a ideia de que o agro é pop.
*Quezia Ramalho é divulgadora científica, editora da revista Herpetologia Brasileira e aluna de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da UERJ.
**Este estudo foi desenvolvido pelos pesquisadores Quezia Ramalho, Luara Tourinho, Mauricio Almeida-Gomes, Mariana M. Vale e Jayme A. Prevedello.
Fonte: O Eco