Opinião

A agenda climática brasileira e a devastação do Pantanal

*Por Carlos Bocuhy

As queimadas no Pantanal neste ano, as maiores desde que os dados começaram a ser computados, em 1998, e a situação não menos preocupante na Amazônia e Cerrado indicam a necessidade de uma gestão pública e uma governança ambiental cada vez mais eficientes. As mudanças climáticas são hoje uma realidade em todo mundo e os períodos de seca e queimadas devem se repetir. Nesse cenário, não há lugar para a inépcia e ineficácia. Infelizmente, é exatamente essa postura que vem sendo adotada pelo governo brasileiro.

Mesmo com algumas chuvas no Pantanal nos últimos dias, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) verificou, entre 1º de janeiro a 15 de outubro, um aumento de 222% no número de queimadas registradas no bioma em comparação ao mesmo período do ano passado. Já foram registrados 20.796 focos de incêndio na região.

O governo tem adotada uma postura inversa ao que se espera da sociedade contemporânea, cujo marco conceitual é a sustentabilidade. A humanidade, depois de mergulhar no século XX em duas guerras sangrentas e vários conflitos localizados, demonstrou, ao final do século, uma convergência em diretrizes para a sustentabilidade. A ameaça nuclear cedeu lugar aos esforços comuns para resolver o buraco na camada de ozônio, a extinção das espécies e o aquecimento global.

Ao final do século prevaleceu o bom diálogo, por meio das Nações Unidas. A Declaração do Rio, em 1992, estabeleceu novos níveis de cooperação, deliberando em seu Princípio 1º: “Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza”. No Princípio 28, conclama a todos a “cooperar de boa fé e com espírito de solidariedade na aplicação dos princípios consagrados nesta declaração”.

Nada mais nobre e urgente, diante da perda de biodiversidade e da destruição dos ecossistemas planetários. Não resta dúvida científica sobre os riscos que ameaçam a sociedade humana. Os debates em torno do Acordo de Paris, elaborado em 2015, demonstram que a negação sobre este tema ainda persiste por desinformação e interesses meramente econômicos, em detrimento da proteção da vida da população.

Os números do Inpe sobre os índices anuais de desmatamento na Amazônia, além da tragédia no Pantanal, demonstram que os anos de 2019 e 2020 foram devastadores para o meio ambiente e a biodiversidade no Brasil. O aumento no número de queimadas neste ano é de 24% em relação ao ano passado, conforme o Inpe. No cerrado, o aumento é de 2%, sobre uma base que já havia crescido 59% em relação a 2018.

Episódios climáticos extremos exigem competência administrativa. O Brasil sequer começou a trilhar as medidas de mitigação e de adaptação às adversidades climáticas. Nota-se ainda um elevado número de ilegalidades, registradas nos incêndios criminosos, associada à baixa capacidade de atuação dos órgãos responsáveis como o Ibama, que tiveram seus quadros e recursos reduzidos pela metade com comparação a 2019, além de uma perda de 48% na capacidade de autuação da criminalidade com multas. Há uma lacuna na política ambiental, sem o efeito pedagógico da aplicação da lei. Há um discurso evasivo e irresponsável, como o do “boi bombeiro”. Ao longo do tempo, as irresponsabilidades sinalizaram impunidade.

A eficácia no combate ao crime ambiental deriva da consecução das diretrizes que norteiam a boa administração pública, com robusto estabelecimento de uma agenda de mudanças climáticas, com planejamento, correção da ineficácia governamental, da falta de controle da criminalidade, com a identificação e autuação dos agentes que agravam a situação, lucrando com a grilagem, o desmatamento, a prática incendiária criminosa e a mineração ilegal.

Ultrapassamos os limites aceitáveis. Considerando o cenário atual, de conflito com disposições do art. 225 da Constituição Federal, estão mais do que presentes os requisitos de urgência para que essas distorções e abusos sejam apurados de forma emergencial e imediata. Essas anomalias atacam as condições necessárias para a sobrevivência das sociedades humanas, colocando em risco a sustentabilidade ambiental, inclusive por meio do comprometimento da base de recursos naturais indispensável para a saúde da população e para o desenvolvimento socioeconômico.

Os brasileiros estão, de fato, percebendo o que está ocorrendo e como isso afeta o futuro do Brasil? É notório o clamor público com a ampla divulgação dos fatos pela mídia. A destruição de 22% da área do Pantanal, seus ecossistemas e biodiversidade foram amplamente divulgados.

Para complicar o cenário de impunidade, os retrocessos na proteção ambiental e as decisões envolvendo alterações institucionais e normativas estão sendo consumadas sem a necessária discussão democrática ou justificativas plausíveis, como a decisão recente do Conama extinguindo a Resolução 303/2002, que significa desproteger a linha da costa brasileira e das áreas de restinga e ceder à especulação imobiliária. Este é um elemento primordial na agenda de mudanças climáticas, frente ao avanço das marés e a elevação do nível dos oceanos.

O Brasil deve instituir urgentemente sua agenda de sustentabilidade, garantindo a sobrevida dos ecossistemas, da biodiversidade e da sua população. Trata-se de uma questão de sobrevivência.

Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

Fonte: O Eco