Opinião

Por que uma pirralha incomoda tanta gente?

*José Henrique Mariante

Segunda-feira, 19 de agosto. O dia já vinha feio, mas de maneira assustadora o céu de São Paulo virou noite no meio da tarde. Anunciado pelas redes, como um dia será, o apocalipse se tornou algo real quando a escuridão ganhou explicação nos noticiários: frente fria, nuvens carregadas e vento soprando material particulado de queimadas ocorridas no Paraguai.

Parecia fake news, mas não era. Logo depois, uma onda delas empurrou a origem da fuligem para pontos mais distantes, inclusive Amazônia, que já ardia e pouco depois faria arder a imagem no exterior do país de Bolsonaros que nos tornamos.

Onde quer que uma floresta tenha queimado, por horas habitantes de São Paulo entendemos que o futuro pode ser tão ruim como o descrito nos filmes de ficção científica ou nas páginas de ambiente, que muitos insistem se tratar da mesma coisa. Já estamos cheios de problemas, para que antecipar outros mais?

Surge então Greta Thunberg, sueca, 16 anos, esquisita. Fala o que não queremos ouvir. Diz que somos qualquer coisa entre prepotentes e despreparados e que estamos colocando em xeque não o nosso futuro, mas o dela e o de milhões de estudantes que já mataram aula em uma das últimas 69 sextas-feiras, em diversas partes do mundo. Tudo isso para protestar e dizer o que parece óbvio a jovens de 16 anos: estamos destruindo, queimando, secando, poluindo, contaminando, plastificando e matando sem parar o próprio planeta.

Greta atrai crianças e adolescentes como um flautista de Hamelin. A adultos, discursa em inglês de vampiro solfejando cada parágrafo com raiva nos olhos, os mesmos que usou para fuzilar Donald Trump nos corredores da Assembleia da ONU.

O americano, com desdém típico de adulto, disse que ela parecia uma “garota muito feliz”. Bolsonaro também piscou, chamando-a de “pirralha”, depois de a jovem denunciar na Conferência do Clima, em Madri, as mortes de índios guardiões da floresta no Maranhão.

Por mais que desperte certa simpatia ao encarar os populistas de turno, Greta assusta também quem não pensa só com o fígado ou com o bolso. Sua pregação, como a de qualquer adolescente, não vê limites.

Pela saúde do planeta, vale interromper a cadeia produtiva, boa parte dos empregos, o capitalismo em geral. Temos que parar de consumir, simples assim.

Greta é a versão expandida, planetária, radical de quem nos condena diariamente pelo vício de usar sacolas plásticas para embalar embalagens de plástico no supermercado, por não conseguir abdicar da carne vermelha nem uma vez por semana, do utilitário esportivo, da viagem de avião, de votar em gente que acha que a crise climática é conspiração.

Bem na nossa vez, não podemos mais? Não. Xinguemos Greta, então.

*José Henrique Mariante é colunista da Folha de São Paulo

Fonte: Folha de São Paulo