Serviços ambientais: fogo atenuado?
*Nurit Bensusan
Na semana passada, comemorou-se a Semana da Amazônia. Nem todas as notícias foram catastróficas. Foi aprovado na Câmara dos Deputados um projeto de lei (PL 312/2015) que institui a Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais. Trata-se de uma sinalização positiva do Congresso em relação à defesa do meio ambiente, mas ainda insuficiente diante dos desafios que se acumulam a cada dia, nessa área.
Pagar pelas atividades que garantem a manutenção e a eventual recuperação de serviços que a natureza nos oferece para assegurar a nossa qualidade de vida pode ser uma estratégia importante para proteger o meio ambiente, além de ajudar a preservar os modos de vida das comunidades locais e tradicionais, povos indígenas e pequenos agricultores.
A história do pagamento por serviços ambientais já é longa e possui casos clássicos, como a do abastecimento de água da cidade de Nova York. Ali, foi assinado, em 1997, um amplo acordo que envolveu a prefeitura da cidade, 73 municipalidades e 30 comunidades do entorno das bacias da região, além de cinco organizações não governamentais, estabelecendo um mecanismo de pagamentos por serviços ambientais e assistência técnica para o manejo seguro das atividades produtivas.
O resultado é que a cadeia de montanhas de Catskill, a oeste das nascentes do Rio Hudson, tornou-se um ecossistema bem conservado e um elemento-chave no sistema de abastecimento de água de Nova York. O Estado economizou aproximadamente US$ 7 bilhões que teriam sido gastos na construção de uma estação de tratamento e mais US$ 300 milhões por ano no que seria a manutenção dessa estação. Em Nova York, hoje, a água que chega às torneiras dos seus nove milhões de habitantes tem origem em fontes superficiais e dispensa tratamento.
A ideia do pagamento dos serviços ambientais está alicerçada em duas vertentes. A primeira é o reconhecimento de que a natureza, por meio de seus ecossistemas bem preservados, gera um conjunto de serviços para a manutenção e a recuperação de condições ambientais, fundamentais para a qualidade da vida humana. Nesse conjunto de serviços, chamados de serviços ecossistêmicos, estão a provisão de produtos como água, madeira e fibras; a fertilidade dos solos; a polinização; o controle de pragas e doenças; a regulação atmosférica; a moderação do clima; a qualidade da água; a redução de enchentes e secas; entre diversos outros.
A segunda vertente é a adicionalidade. Só faz sentido pagar para alguém proteger esses serviços ecossistêmicos e tornar-se um provedor de serviços ambientais se isso não constituir obrigação legal. Por exemplo, não é o caso de pagar um proprietário para conservar sua Reserva Legal ou sua Área de Preservação Permanente, como prevê nosso Código Florestal, mas poderia ser um exemplo de pagamento de serviços ambientais a situação onde um proprietário compromete-se a conservar outras áreas de sua propriedade, adicionalmente.
Problemas do projeto de lei aprovado
O projeto de lei aprovado na Câmara está baseado nessas duas vertentes e pode vir a ser – ao lado de outras estratégias de valorização dos ambientes naturais e da economia da floresta, de combate ao desmatamento e as queimadas – um importante instrumento de conservação ambiental. Para tanto, porém, são necessários alguns ajustes na proposta, que agora segue para o Senado. Um exemplo é a ampliação da consulta prévia às comunidades locais para saber sobre seu interesse em se tornar provedoras de serviços ambientais. A consulta já está prevista no PL, porém é restrita aos povos indígenas. Não há razão para que outras comunidades não sejam consultadas da mesma forma, até porque a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em vigor no Brasil, estabelece o direito à consulta não apenas a povos indígenas, mas também aos demais povos e comunidades tradicionais.
Outro exemplo de mudança necessária é a necessidade de dispensa do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para imóveis que não são particulares, como Unidades de Conservação, territórios quilombolas e indígenas, tornarem-se áreas aptas ao recebimento de pagamento por serviços ambientais. Nesses casos, a inscrição no CAR depende do Poder Público, que tem sido omisso na efetivação dos cadastros: no caso das Terras Indígenas e Unidades de Conservação, são os órgãos responsáveis por essas áreas que devem efetuar o cadastro e, no caso quilombos, o Estado deve oferecer assistência para que as comunidades façam o cadastro. Se a exigência de CAR para tais áreas for mantida, povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais poderão ficar de fora da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais – não por omissão sua, mas do Poder Público, tornando-os duplamente prejudicados. Isso comprometeria ideia toda ainda em seu nascedouro, uma vez que esses atores são fundamentais na conservação dos serviços ecossistêmicos.
Vale ainda mencionar que o PL cria um órgão colegiado que tem como atribuição estabelecer metas, acompanhar os resultados da política, bem como monitorar e avaliar seus resultados. Faltou, porém, incluir nesse órgão colegiado, dito paritário, os provedores de serviços ambientais, ausentes da composição, tais como: povos indígenas, quilombolas, agricultores familiares e outras comunidades locais.
Além disso, o Programa Federal de Pagamentos por Serviços Ambientais, estabelecido pelo Projeto de Lei, só será operacionalizado se houver recursos e instrumentos, ou seja, é preciso que o Poder Executivo crie as condições necessárias para a concretização da Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais.
Por fim, não é possível deixar de ressaltar que toda essa lógica de pagamento por serviços ambientais só funciona onde há ecossistemas íntegros, bem como políticas públicas efetivas por parte do Poder Executivo. Assim, para que a aprovação dessa Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais seja, de fato, uma boa notícia, faz-se necessário um compromisso do Congresso Nacional com a agenda ambiental do país e um posicionamento forte contra a desconstrução das políticas de conservação do meio ambiente e o enfraquecimento da legislação ambiental em curso.
*Nurit Bensusan é coordenadora adjunta do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA) e especialista em Biodiversidade
Fonte: O Eco