Fim das sacolas dos supermercados impõe mudança de hábitos aos cidadãos
*Amelia Gonzalez
A rede de supermercados onde costumo fazer algumas compras já está preparando seus clientes para a nova resolução. A partir do dia 26 de junho entra em vigor a lei estadual de autoria do deputado Carlos Minc (PSB-RJ) que proíbe os estabelecimentos de fornecerem as sacolas plásticas que ajudam no transporte de produtos.
Vai ser preciso levar uma bolsa de casa; ou usar uma caixa de papelão; ou comprar uma sacola – a preço de custo, afirmam os donos dos supermercados – com a promessa de que esta venha a ser biodegradável, ou seja, não ficará cem anos boiando nas águas de nossos oceanos e mares. A torcida é para que, desta vez, a lei seja levada a sério.
Na fila do caixa do supermercado, semana passada, minha vizinha reagiu à informação que era passada via microfone para todos os clientes da loja:
“Ora, e agora, como é que eu vou fazer? Para levar minhas compras vou ter que pagar? Mas sempre foi de graça!”, disse ela.
Decidi entrar na conversa, dialogar, espraiar alguma informação:
“A senhora pode trazer uma sacola de casa, veja, como esta que estou carregando, de pano. É prático. Sempre que sair, pode amassar e botar na bolsa, mesmo que não esteja planejando ir ao supermercado, porque sempre há de se ter alguma coisa para carregar”, respondi.
A senhora não ficou muito convencida. Admitiu que está muito “preocupada com o meio ambiente”, mas que há muita coisa que polui e que a poluição de responsabilidade das empresas vai continuar. E com elas, disse minha vizinha de fila, ninguém mexe. A conversa girou, girou, e foi parar na tragédia de Brumadinho.
“Não viu a Vale? Poluiu tanto que acabou causando a morte de mais de 200 pessoas e ninguém mexe com ela. Está aí, no mercado”, disse a senhora.
Não quis desviar o rumo da prosa. Disse que o pensamento dela estava certo, mas que a história das sacolinhas depende bastante de nós. Quem sabe é hora de dar o exemplo para as empresas? Mas minha interlocutora não estava muito fácil de convencer.
“Sabe o que vai acontecer? Eu vou parar de usar sacola plástica no supermercado e vou ficar sem saco de lixo em casa. É isso o que eles querem. Que eu compre saco de lixo!”.
A esta altura, percebi que minha opinião apenas, mesmo que tenha sido balizada por números e casos expressivos, não iria demover aquela senhora. Estamos vivendo em tempos tão polarizados que o bom senso manda lembrança. Despedi-me.
Cheguei em casa e fiz contato com o biólogo Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima (OC), uma coalizão de organizações da sociedade civil para discutir mudanças climáticas.
Contei-lhe sobre a opinião daquela senhora porque tenho a sensação de que é semelhante à de muitos outros cidadãos. O fim das sacolas plásticas exige mudança de um hábito arraigado, e isso costuma encontrar muita resistência.
“O problema é muito sério. E mesmo que exija mudança de hábitos aos quais estamos arraigados, é preciso enfrentá-los”” – disse-me Carlos Rittl.
“Estima-se que a cada hora distribuam-se 1,5 milhão de sacolas de supermercados no Brasil. São mais de 13 bilhões por ano. É muita coisa. Estes resíduos ajudam a gerar muito problemas, entre eles os apontados por um estudo recém publicado, que estima que cada ser humano, em média, digira cerca de 50 mil partículas de microplástico por ano, e que inale uma quantidade semelhante a cada ano. Mudar esta situação depende de políticas públicas, compromissos e ações de empresas e mudanças em nossos hábitos”, afirmou.
Para acessar o estudo: https://pubs.acs.org/doi/abs/10.1021/acs.est.9b01517
Além da informação que Rittl passou, há, também, no relatório feito pelo site Environmental Science & Technology, um dado que deve ser considerado por quem só toma água mineral servida em garrafinhas:
“Indivíduos que atendem a ingestão de água recomendada apenas através de fontes engarrafadas podem ingerir mais 90 mil microplásticos por ano, em comparação com os quatro mil microplásticos para aqueles que consomem apenas água da torneira”.
Rittl diz alerta ainda para um segundo fator importante, que mexe também com os bolsos dos cidadãos:
“Diferentemente do que talvez pareça, as sacolas de supermercados não nos são dadas de graça, nós pagamos por elas. Os mercados incorporam seu custo ao preço dos produtos que compramos. Portanto, se tivermos que pagar por outra solução para a armazenagem de nosso lixo doméstico, precisamos nos dar conta que hoje já pagamos por isso quando usamos sacolas de supermercado”, disse ele.
Bem, mas o fato é que ninguém está querendo pagar pelos sacos de lixo. E que, no fim das contas, os sacos de lixo também vão acabar sujando o meio ambiente. Qual a solução para isto?
“Hoje já se comercializam sacolas biodegradáveis. Elas são mais caras do que as sacolas de plástico tradicional. Mas não causam os problemas gerados pelas 13 bilhões de sacolinhas plásticas distribuídas por ano no país. Se passarmos a adotá-las mais e mais, a tendência é que haja uma redução dos custos”, disse Rittl.
Mas há medidas que podem evitar o uso de sacos de lixo também, lembrou o ambientalista. Considerando que mais ou menos metade do nosso lixo é de material orgânico, a solução pode ser fazer composteiras domésticas.
“Há condomínios que têm composteiras coletivas ou sistemas de compostagem, e há cidades no Brasil onde esse tipo de resíduo é recolhido para produção de composto, que, quando colocado no solo, torna-o mais fértil. Isso pode ser massificado. E pode-se usar recipientes sem sacola plástica para armazenar este tipo de resíduo antes de transferi-lo. Ou usar as sacolas biodegradáveis. Uma outra boa parte de nossos resíduos é composta por material reciclável. Não é necessário armazenar esses resíduos em sacolas plásticas. Pode-se colocar em um recipiente específico sem plástico, antes de ser destinado para reciclagem”, disse Rittl.
Composteiras são recipientes especiais que transformam o lixo orgânico caseiro em húmus. Neste site ensinam a fazer. Mas, se o leitor morar num condomínio, o ideal é fazer uma reunião e estudar a melhor maneira. Tem que tomar cuidado porque as composteiras, quando não são rigidamente vedadas, podem atrair pragas urbanas, e ninguém quer isso. Se houver uma horta urbana perto de sua casa, o assunto está resolvido: é só juntar o lixo e mandar para a horta.
Já o lixo do banheiro pode ser armazenado em sacos de papel, como antigamente.
O importante nessa história é perceber que, se não depende diretamente de nós amenizar a poluição industrial, o mesmo não acontece com relação aos plásticos. E uma boa resposta dos cidadãos pode balizar as empresas no sentido do que se quer.
*Amelia Gonzalez é jornalista
Fonte: G1