Opinião

Pedrinho, o saci e a restauração da Mata Atlântica

*Rafael Loyola

Faz alguns dias, lia com meus filhos “O Saci”. Nos deliciávamos com as estórias de Pedrinho e do saci no meio da floresta. O livro mistura ficção com realidade, mas deixando de lado a ficção, a realidade é que todo esse cenário imaginado por Monteiro Lobato – que viveu em Taubaté, interior de São Paulo – está bem diferente nos dias atuais. Até 2015, por exemplo, Taubaté só tinha 6% de vegetação natural, sendo o 6º município paulista que menos preservava a Mata Atlântica. Aliás, as gravações da famosa série de televisão exibida pela Rede Globo foram feitas na floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro.

Felizmente, o mundo de Pedrinho e do saci parece querer voltar à realidade. Um estudo recente, publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation, mostrou que 28% da Mata Atlântica ainda está de pé. Essa área soma cerca de 32 milhões de hectares, o dobro do que se sabia anteriormente. O estudo foi liderado por Camila Rezende, que coordenou uma equipe de profissionais na Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS) e que analisaram dados do satélite RapidEye. A vantagem de se usar imagens RapidEye é que elas têm precisão de 5 metros; os outros satélites usados para o monitoramento da Mata Atlântica, até então, têm precisão de 30 metros. Desse modo, a equipe conseguiu identificar áreas de mata secundária que ainda não haviam sido mapeadas, assim como redefinir o tamanho de vários fragmentos florestais.

As boas novas não pararam por aí: os autores ainda avaliaram um cenário futuro para a Mata Atlântica, considerando a implementação da lei de proteção da vegetação nativa (também conhecida como novo código florestal) aprovada em 2012. Nesse cenário, 33% da Mata Atlântica poderia estar de pé nos próximos 20 anos.

A restauração florestal tem um papel importante nisso. O Brasil se comprometeu, tanto internacionalmente quando em terras tupiniquins, a restaurar 12 milhões de hectares de áreas degradadas. Iniciativas importantes como o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica – uma iniciativa de caráter coletivo, envolvendo diversos segmentos da sociedade e com mais de 350 atores – têm contribuído para alavancar recursos e, fundamentalmente, inspirar organizações, governo, instituições científicas, ONGs e proprietários rurais em prol da recuperação das matas antes visitadas por Pedrinho. Só na Mata Atlântica, o pacto prevê a restauração de 15 milhões de hectares!

Agora, um novo estudo publicado essa semana na mesma revista avalia a possibilidade do Brasil atingir metas ambiciosas de restauração de áreas degradadas. No trabalho, liderado por Renato Crouzeilles, do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), os autores estimaram a restauração de uma área entre 673–740 mil hectares de florestas nativas de 2011 a 2015 apenas na Mata Atlântica. Caso a restauração continue nesse ritmo, os autores esperam um total de 1,35 a 1,48 milhões de hectares recuperados até 2020 dentro do bioma.

Essa é mais uma boa notícia, publicada justamente na semana do Meio Ambiente. Os números são animadores, ainda mais se considerarmos que as estimativas do estudo são conservadoras: os autores não consideraram áreas de floresta plantada para fins comerciais, por exemplo. Além disso, eles chamam a atenção para o fato, cada vez mais discutido, de que boa parte das áreas pode ser recuperada por restauração passiva; isto é, por meio da regeneração natural de áreas anteriormente desmatadas.

O que precisa para dar certo?

O programa de restauração no país já tem dado certo e caminha por meio de diferentes projetos de governo, empresas e pactos da sociedade. Como ressaltam Renato e seus coautores, algumas características são fundamentais para o sucesso dessas iniciativas.

Primeiro, é preciso uma boa governança e estratégia de articulação e comunicação. Para trazer mudança é preciso que haja engajamento. Uma boa governança, que inclua o governo, setor privado, ONGs e sociedade como um todo é fundamental. A gestão dessa empreitada – que é diferente da governança – pode ser mais ou menos eficiente, caso seja feita pelo setor privado ou organizações da sociedade, mas é preciso uma direção clara e mecanismos de ajuste para que as iniciativas perdurem.

Depois, é necessário estar alinhado com políticas públicas existentes e ter uma estratégia de suporte a políticas futuras. Esse alinhamento passa por parcerias com programas de desenvolvimento rural sustentável e pelo Cadastro Ambiental Rural e seu papel no cumprimento da lei de proteção da vegetação nativa. Nesse caso, o uso de instrumentos econômicos previstos em lei, como pagamento por serviços ambientais, ou o desenvolvimento de soluções baseadas na natureza terá um papel cada vez mais importante na restauração florestal.

Finalmente, para que a restauração tenha continuidade é preciso estabelecer sistemas de monitoramento. Isso começa com o próprio monitoramento do desmatamento e desemboca em relatórios atualizados sobre a restauração.

Para citar um exemplo na Mata Atlântica, a Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (SEAS) do Rio de Janeiro mantém o programa “Olho no verde”. Esse programa garante o monitoramento com imagens em altíssima resolução (50 cm) para detecção de desmatamento; uma espécie de Big Brother ambiental que vai ao ar a cada 15 dias e fiscaliza de forma inteligente a derrubada de até uma árvore de forma ilegal no estado. Por sinal, o estado do Rio de Janeiro é um dos estados da Mata Atlântica onde o desmatamento está praticamente zerado. Sabia disso?

Com relação à restauração, o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica e o Observatório Florestal Fluminense, por exemplo, oferecem números atualizados sobre a restauração no bioma. Monitorar a área restaurada é fundamental para que tenhamos uma noção quantitativa do desempenho das iniciativas e sobre o quão perto estamos de atingir as metas estabelecidas para os anos seguintes.

A mensagem, em plena semana do meio ambiente, é de que, mesmo diante de situações adversas, há motivos para comemorarmos. A restauração de áreas antes degradadas vem caminhando a passos largos no Brasil e não só na Mata Atlântica.

Precisamos de uma agenda positiva e inspiradora. Ela nem sempre é notícia, mas não pode ser esquecida. Em alguns anos, as florestas e toda sua riqueza natural estarão ainda mais perto de cada um nós e não só das aventuras de Pedrinho e dos livros de Monteiro Lobato.

*Rafael Loyola é diretor Científico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), professor da Universidade Federal de Goiás e membro da Academia Brasileira de Ciências.

Fonte: O Eco