Opinião

Homenagear o meio ambiente é também consagrar a vida de todas as espécies, inclusive a humana

* Amelia Gonzalez

Comprei pupunha, shitake, repolho, tomate e lentilha rosa para as minhas refeições de sábado. Fiz refogado com azeite, alho, usei sal e cheiro verde. Cada produto teve seu tempo de cozinhar, mas não fiquei muito na cozinha. E também não gastei muito. Ficou bem gostoso, não comi carne de nenhum animal e me abriu chance de refletir sobre nossas limitações. O mundo do trabalho, do capital, o dia a dia corrido, vai nos afastando da corrente de saúde que a natureza nos oferece quando estamos em relação harmônica com ela.

Decidi compartilhar este pensamento aqui no blog porque nesta quarta-feira (5) se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente, uma tradição iniciada em 1972, depois da primeira grande conferência global convocada pela ONU para se debater o tema. Pode ser apenas mais uma homenagem que se faz assim, sem querer muito, só para não deixar passar, como é o Dia das Mulheres. Mas vivemos numa era de tantos símbolos, que também pode ser bom se aproveitar o dia 5 para fazer algum alarde, do tipo: “Humanos, olhem para os lados e pensem se é possível, de verdade, que o homem seja o único ser que importa nesta imensidão”.

Para preservar o meio ambiente é preciso uma união de pessoas comuns, de órgãos competentes, de empresas. É preciso ainda que toda essa gente se sinta afetada, verdadeiramente, não apenas simbolicamente, pela causa.

Seria mais fácil conseguir isto se não estivéssemos vivendo numa estranha era, em que o lucro passa a valer mais do que a vida. É em nome do “direito à propriedade”, por exemplo, que o deputado Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, fez um projeto de lei que defende o fim das Reservas Legais. Meu colega André Trigueiro conta hoje, em seu blog, que 30% de toda a vegetação nativa do Brasil estariam seriamente prejudicadas caso vingue o projeto. A isto eu chamo de relação desarmônica com a natureza. Quem defende certamente não pensa na importância de tal vegetação para a vida humana. Simples assim.

Ouçamos, pois, os índios, que são os que mais respeitam a terra e tudo o que vem dela. Neste sentido, uma série de documentários produzida pelo Canal Curta, que ganhou o sugestivo título – “Juntos” – começará a ser exibida neste dia 5 e pode nos municiar com informação de qualidade, o que é sempre, sempre, bom e necessário.

O primeiro filme se chama “Terra ancestral”, e fala justamente desta relação harmoniosa, do homem com a natureza. É uma história – contada sob a direção de Letícia Marques – que pode ser bonita se houver respeito, como mostram as imagens feitas com uma câmera comum e as falas, com som ambiente, de índios e agricultores ouvidos.

O beija-flor, este ser pequenino que para o mundo do capital não deve ter a menor importância, é sagrado para a população guarani que habita a Terra Indígena em Santa Catarina, mostra o documentário. A crença dos tupis-guaranis é que este pássaro ajudou a deusa Iamandu a construir a Terra. Sempre que ele aparece ou entra numa casa traz boas novas, sabedoria e alegria para a família. Para além de se respeitar a lenda, o fato é que os beija-flores são importantes polinizadores. Ao visitarem as flores em busca do seu néctar, seu bico e penas entram em contato com o pólen, e assim a planta se reproduz. É a mágica da natureza à qual a lei do mercado dá as costas. Tempos esquisitos.

O que não é mágica nem crença, no entanto, é o jeito de cuidar da terra e de se nutrir com as plantas que ela fornece. Jose Martins, agricultor, passeia com a câmera do documentário e vai mostrando os “remédios” que estão ali na plantação que ele cultiva, junto com João Aquino, Aline Yumi e outros.

“As pessoas vêm de fora procurar, pedindo que a gente ache a planta certa para seu mal”, diz ele.

Chama-se agrofloresta o sistema que nasce desta incrível união, do homem com a terra, sem que o primeiro desrespeite a segunda. Olhando de longe, com a ajuda dos documentaristas, a impressão é de uma bagunça danada. A natureza mostra, ali, que sabe muito bem se proteger de pragas, que não precisa aplicar veneno, basta que a deixe seguir seu rumo, respeitando o que, para nós humanos, parece ser um quadro caótico.

“São várias plantas convivendo juntas e cooperando umas com as outras. As ervas daninhas não causam danos, elas indicam alguma coisa, são um sinal. Sabe aquele trevinho de quatro folhas? Quando eles nascem é sinal de que aquela terra está precisando de cálcio, por exemplo. Eu não brigo com o mato, eu o uso para gerar adubo”, dizem os produtores João e Aline.

A relação é outra, é diferente. Quando os produtores rurais trabalham no sistema agroflorestal, eles estão indo a favor da vida. Não contra pragas ou ervas daninhas. A fala dos jovens é profunda, ajuda ainda mais neste momento de homenagem/reflexão.

A cacique Elizete, que também é pedagoga da escola que atende as três comunidades indígenas dentro do Território Morro dos Cavalos, fala do Bem Viver, um conceito baseado em pensamentos indígenas sobre o qual já me referi aqui neste espaço, quando foi lançado o livro homônimo, de Alberto Acosta (Ed. Autonomia Literária e Elefante). Elizete diz que água é o sangue da terra. Sem água, não temos como viver no planeta.

“E água se planta. Com floresta, com vegetação. Quanto mais vegetação, mais água se terá porque é no solo que ela se armazena”, diz Elizete para a câmera do documentário.

O documentário, assim como a série que ele inaugura, produção da Plural Filmes, poderá ser assistido no Canal Curta em vários momentos.

E é bom lembrar aqui também que a ONU está, nesta semana, inaugurando a Década da Agricultura Familiar (2019/2028), prevendo diretrizes e planos de ação que valorizam as práticas dos povos tradicionais, dos camponeses e campesinas que trabalham com agrofloresta. É a comemoração da semana, por exemplo, para a organização Articulação do Semi Árido (ASA), que vê aí uma oportunidade para chamar atenção contra o agronegócio, que privilegia “o lucro e concentra renda em detrimento da sustentabilidade ambiental e social do planeta”.

Entre estes dois polos distintos, há a chance de se sorver mais uma vez a lição da natureza, que congrega várias forças e é capaz de lidar com a união de todas elas para fazer seu trabalho. Com respeito à vida, o que é a sabedoria mais importante.

* Amelia Gonzalez é jornalista

Fonte: G1