Opinião

Economia Azul

*Roberto Naime

Gunter Pauli, fundador do “Zero Emissions Research and Initiatives”, economista, professor, empresário e autor do livro “The Blue Economy: teen years, one hundred innovations, one hundred millions of jobs” se tornou novo paradigma da autopoiese social e da metamorfose civilizatória necessária.

Ele defende que os “ecossistemas funcionam com o que tem à sua disposição e dependem, antes de tudo, das leis da física. Devemos criar uma economia baseada nesses princípios”, propõe Gunter Pauli em artigo aqui apresentado e comentado.

O mundo precisa de um novo modelo econômico. Quem pode duvidar disto quando se debate sobre a mudança climática, embora as temperaturas da Terra continuem subindo, e sejam alarmantes tanto o desemprego quanto a pobreza, diz ele.

Utilizando uma interpretação livre das proposições de Niklas Luhmann, aqui tem se proposto uma nova autopoiese para o equilíbrio do arranjo social.

A economia planejada nunca foi capaz de distribuir recursos de maneira eficiente. Já a economia de mercado evoluiu para um sistema que perseguia a expansão permanente e aumento constante da produtividade, incompatível com a finitude dos recursos naturais. Isto segundo Gunter Pauli, desencadeou uma onda de fusões e aquisições, financiada com crescente endividamento.

Quando as dívidas ficaram insustentáveis, os feiticeiros das finanças inventaram sofisticados instrumentos que criaram ativos lastreados em virtualidades. Este esquema mostra visíveis sinais de saturação.

Os promotores da economia verde questionam o crescimento e afirmam que deve ir além do dinheiro para erradicar a fome e a pobreza. Se deve conseguir a educação primária universal, promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres.

Contudo, apesar de todas suas boas intenções, a economia verde não conseguiu decolar. Ocorre que os governos subsidiem estes arranjos, que as empresas aceitem lucros menores e que os consumidores paguem mais.

Isto é viável com crescimento e elevado nível de ocupação, mas é difícil quando os governos estão em bancarrota, a demanda e a confiança dos consumidores caem, e aos mais jovens se diz que não há trabalho, ao mesmo tempo que um bilhão de pessoas vivem na pobreza.

Chega a hora de adotar inovações, que não podem ser apanágios e vão além de nosso romance com a natureza e de nosso pessimismo com a economia. É um redesenho pragmático, inspirado nos ecossistemas.

É necessário resolver as questões de recursos hídricos, alimentos e saúde com estratégias de longo prazo para construir capital social. É preciso também descobrir soluções que não gerem consequências indesejadas, como pode ser a carestia dos alimentos devido ao uso de cereais para produzir biocombustíveis, ou o emprego do óleo de palma para produção de sabonetes biodegradáveis, destruindo enormes extensões de selva tropical.

O autor fala: “em nosso impulso de abraçar a sustentabilidade, toleramos “danos colaterais”, como quando combatemos o terrorismo. Os ecossistemas proporcionam inspiração para criar um novo modelo que transcenda o que até agora conhecemos. Isto é o que chamo economia azul em meu livro ‘The Blue Economy’”.

Os ecossistemas fornecem nutrientes e energia em cascata, como demonstrou o assombroso trabalho do engenheiro sanitarista George Chan, tomando o melhor da permacultura e levando a um novo paradigma de eficiência.

Nos modelos de Chan, postos em prática na Colômbia, Namíbia e Fiji, vemos que a biomassa já usada se converte em meio para o crescimento de fungos, de modo que esse substrato aparentemente esgotado se transforma em rica proteína para alimentação do gado.

Por sua vez, as bactérias inoculadas no esterco do próprio gado geram biogás em um digestor, enquanto o líquido lodoso resultante dessa operação é um nutriente para as algas que promovem a criação do plâncton, que se converte em alimento para os peixes e enriquece as águas de irrigação.

No Brasil, o biólogo Jorge Alberto Vieira Costa reutiliza o dióxido de carbono residual de uma usina elétrica movida a carvão para alimentar a alga espirulina, que por sua vez produz alimento rico em proteínas, sendo usada para fabricar biocombustíveis.

Os ecossistemas operam com o que tem à sua disposição e dependem antes de tudo das leis da física.

Os fenômenos físicos são previsíveis e não têm exceções, o ar quente se eleva, a água fria cai. Seguir estes princípios permite reduzir ou eliminar resíduos metálicos, substâncias químicas processadas e energia não renovável.

Os mecanismos desenvolvidos pelas zebras e pelos cupins mostram mais domínio do ar e da umidade do que qualquer de nossas soluções mecânicas ou eletrônicas.

Isto é visto nos projetos do arquiteto Anderes Nyquist, desenvolvidos na escola Laggarberg, da Suécia, no hospital de campanha do grupo Gaviotas em Vichada, Colômbia, e no Eastgate Center de Harare, no Zimbábue, onde o ar é contínua e permanentemente refrescado, sem necessidade de bombas ou
refrigeradores.

A mesma lógica é aplicada para gerar eletricidade. Cada ecossistema gera correntes elétricas pelas diferenças de pressão, de pH e de temperatura. Estas microcorrentes são suficientes para substituir milhares de milhões de baterias contaminantes.

Esta ideia foi aprovada no Instituto Fraunhofer da Alemanha, onde foi criado um protótipo de telefone celular que gera eletricidade a partir da diferença de temperatura entre o aparelho e o corpo do usuário, e que converte a pressão da voz em piezoeletricidade, que é a propriedade de certos cristais de se polarizarem eletricamente quando submetidos à pressão. Isto fornece energia para transmitir a voz enquanto se fala.

A economia azul deseja expor, não impor, as enormes possibilidades da ciência para que possa emergir, quanto antes melhor, um novo e competitivo modelo econômico. Foram explanadas concepções que parecem futuristas, mas na verdade são inovações coerentes e criativas que demonstram como a economia azul irá se desenvolver.

Roberto Naime é doutor em Geologia Ambiental e integrante do corpo docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Fonte: EcoDebate