Agrotóxicos e a contaminação invisível
*Roberto Naime
Uma parte dos agrotóxicos pode se acumular no organismo humano e podem interagir entre si, produzindo efeitos adversos diferentes, às vezes mais graves do que se tivessem sido provocados separadamente por produtos isolados. É como misturar efluentes industriais antes do tratamento. As substâncias reagem entre si e o princípio das propriedades emergentes, que da biologia, é mobilizado às avessas.
Uma preocupação especial é em relação a “misturas involuntárias” entre produtos. Isto acontece porque alguns venenos são capazes de persistir no meio ambiente por longos períodos. Assim, o agricultor pode, na lavoura, ficar exposto a diferentes produtos que tenham sido aplicados em ocasiões distintas. Como os agrotóxicos são substâncias que foram desenvolvidas para matar, exterminar ou combater seres vivos, eles também agem sobre a constituição física e a saúde dos seres humanos.
Nenhum estudo laboratorial pode comprovar com toda certeza que determinado nível de veneno não é capaz de afetar a saúde das pessoas. Por isto se questiona o chamado “nível de uso seguro das substâncias”. Será que existe? Está fundamentado em quais critérios ou procedimentos analíticos ou teóricos?
É um erro supor que doses pequenas de veneno podem ser aceitas nos alimentos porque causariam danos pequenos. As mulheres em período fértil e as crianças constituem os grupos humanos mais vulneráveis. As crianças são particularmente sensíveis aos agrotóxicos, porque o intestino é muito mais permeável e o sistema de desintoxicação do corpo ainda não está completamente desenvolvido. A contaminação pode ocorrer durante a gravidez e pelo leite materno.
Não faz sentido exercer qualquer condenação prévia e apriorística de qualquer substância química. Qualquer inovação tecnológica tem como estimulação, os benefícios que podem ser gerados. Assim, todos os procedimentos merecem isenção e avaliações em cada caso, e não condenações gerais de qualquer natureza, que respondam a anseios dogmáticos ou políticos.
Assim, mesmo que não se apregoe qualquer restrição às evoluções científicas que inegavelmente são representadas por incrementos e aprimoramentos de moléculas na indústria química, não custa nada admoestar a todas as partes interessadas que é preciso ter um pouco de humildade.
Proteções de plantas que podem até interferir na seleção natural, são temerários, sem compreender todas as relações implícitas ou explícitas, e não lineares ou cartesianas da homeostase dos ecossistemas.
Por isso parece um pouco pretensioso na atual fase de conhecimentos da civilização humana, implementar estes incrementos sem considerar os princípios de precaução e sem mobilizar tentativas mais sistêmicas e holísticas de se apropriar da realidade.
Os brasileiros estão submetidos a altos riscos devido à ingestão de alimentos com grande contaminação por agrotóxicos. As consequências são uma ampla lista de doenças. As empresas fabricantes e os órgãos reguladores garantem que, em pequenas doses, os resíduos ou substâncias que se formam na degradação dos venenos, chamados de metabólitos não provocavam problemas.
Assim, quando estão envolvidas substâncias cancerígenas e que afetam o sistema imunológico, não é possível aceitar que se fale em limites seguros de exposição. Hoje, se sabe que mesmo quantidades muito pequenas de muitos agrotóxicos podem alterar o equilíbrio dos hormônios.
Os agrotóxicos podem provocar efeitos agudos. São as intoxicações mais visíveis, que acontecem em curto período de tempo (alguns dias ou semanas) após a exposição a um ou mais agentes tóxicos. Os efeitos podem incluir dores de cabeça, salivação, mal-estar, confusão mental, fraqueza, cólicas abdominais, espasmos musculares, tremores, convulsões, náuseas, desmaios, vômitos, dificuldades respiratórias, sonolência, irritação nos olhos e na pele, entre outros.
Atingem especialmente quem manipula ou aplica os venenos. A intoxicação aguda pode ocorrer de forma leve, moderada ou grave, dependendo da quantidade de veneno que é absorvida. Em muitos casos pode levar à morte. e efeitos crônicos sobre a saúde que são resultantes de uma exposição continuada a doses relativamente baixas de um ou mais produtos.
Os efeitos de uma exposição crônica podem aparecer semanas, meses, anos ou até mesmo gerações após o período de uso ou contato com tais produtos. São, portanto, muito difíceis de identificar. Em muitos casos podem até ser confundidos com outros distúrbios sem que seja feita a relação com agrotóxicos. É a intoxicação que destrói devagar, com o desenvolvimento de doenças neurológicas, respiratórias, doenças do fígado e dos rins, câncer ou leucemia.
Por isso para agrotóxicos ou transgênicos se fala em estudos transgeracionais, mas infelizmente a premência dos interesses não admite esta possibilidade, a bem da verdade, em qualquer país do mundo.
Por isso se sabe que leis e normas não vão resolver os problemas, embora sejam relevantes. A civilização humana vai acabar determinando nova autopoiese sistêmica, na acepção de Niklas Luhmann e Ulrich Beck, que contemple a solução dos maiores problemas e contradições exibidas pelo atual arranjo de equilíbrio. Que é um sistema instável, muito frágil e vulnerável. Para sua própria sobrevivência, o “sistema” vai acabar impondo uma nova metamorfose efetiva.
Os patrocinadores da ‘venenama’ podiam refletir sobre este cenário, não apenas quando convivem com situação de câncer terminal, que para facilitar absorção existencial, é tido como fatalidade de vida ou circunstância trágica. E pode não ser nada disso.
* Roberto Naime é doutor em Geologia Ambiental e integrante do corpo docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Fonte: EcoDebate