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Opinião
Agronegócio poderá ficar em situação tão desconfortável quanto o Direito Ambiental em 2019
*Guilherme José Purvin de Figueiredo
O pregão da Bolsa de Chicago mostrava-se estável em 25 de outubro de 2018, retratando o momento de calmaria no mercado internacional da soja. Analistas de mercado da Agência Resource Mercosul (ARC) asseveravam que a estabilidade decorria da falta de notícias que pudessem alimentar uma tendência diversa em curto-prazo. O foco do mercado estava nos resultados de produtividade dos campos nos EUA e no progresso de plantio no Brasil. Problemas pontuais com a nova safra norte-americana do grão, em razão do excesso de umidade em parte das lavouras, acabava acarretando perda de peso e qualidade. Enquanto isso, no Brasil, a semeadura evoluía de forma bastante satisfatória e eventuais percalços eram apenas pontuais.
Questões como esta não podem mais ser ignoradas pelos profissionais da área do Direito Ambiental, que deverão estar atentos à evolução legislativa, jurisprudencial e doutrinária que poderá ocorrer ao longo dos próximos anos no Brasil. É de se prever que será dado menor destaque a temas relacionados à proteção da biodiversidade (áreas RAMSAR, proteção de espécies ameaçadas de extinção e assuntos correlatos) e, ao mesmo tempo, realçada a interface com tudo o que disser respeito à atividade agronegocial. Isto significa que o Direito Ambiental deverá cada vez mais voltar-se à compreensão do sistema agroindustrial, à teoria da agricultura empresarial, à gestão de risco da produção agrária e às questões jurídicas que permeiam a obtenção de linhas de crédito para investimento na área rural. Isto sem nos olvidarmos de temas já tradicionais – cadastro ambiental rural (CAR), áreas de preservação permanente, legislação sobre biotecnologia, agrotóxicos etc.
Fato é que esta tendência não nasceu hoje e vem sendo gestada há pelo menos duas décadas. São cada vez mais aprofundados os estudos jurídicos a respeito do papel desempenhado pela agricultura na economia brasileira, contudo sem a imprescindível participação da doutrina mais abalizada do Direito Ambiental. O Direito Agrário, bastante difundido já nas décadas de 1960 e 1970, transmudou-se em Direito do Agronegócio e passou a conviver de forma nem sempre muito harmoniosa com o Direito Ambiental.
De qualquer forma, está hoje cada vez mais difundida a expressão “Direito Agroambiental”, havendo concursos públicos de ingresso na Magistratura que tratam, num mesmo tópico, do estudo das regulações econômicas e comerciais atinentes à atividade agro-silvo-pastoril ao lado de questões relacionadas, por exemplo, ao sistema nacional de unidades de conservação.
Cabe lembrar que, já em agosto de 2014, o Instituto Nacional de Recuperação Empresarial realizava em São Paulo o “Congresso Internacional Direito do Agronegócio – Perspectivas do Setor Rural no Mercado Globalizado”, que contou com a participação do então presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador José Renato Nalini (autor do livro “Ética Ambiental” e membro da Câmara Especial de Meio Ambiente do TJSP em sua primeira formação). Numa leitura apressada, poderia parecer que o novo Governo Federal, aparentemente, estaria mais voltado a prestigiar o Direito do Agronegócio do que o Direito Ambiental. Todavia, surpresas poderão ocorrer, de modo a desagradar em igual proporção setores que até aqui pareciam antagonizar no cenário político e acadêmico.
Há alguns dias (02.01.2019), a Secretaria de Comércio Exterior informou que nosso país exportou um recorde de quase 84 milhões de toneladas de soja em grão em 2018. Referido órgão destacou também a ocorrência de aumento nas vendas de café, mas quedas expressivas nas de açúcar e milho após safras menores. Segundo o site G1, houve uma elevação de 23,1% no volume de soja exportado no ano passado, em comparação com 2017. Os números indicam a pujança da atividade desenvolvida pelos sojicultores brasileiros, que “impulsionaram as vendas no último ano na esteira do maior apetite da China, que taxou a oleaginosa norte-americana em razão de uma série de disputas comerciais e teve de se voltar ao produto sul-americano para suprir a demanda doméstica”.
Não há dúvida, no setor do Agronegócio, que qualquer distanciamento político do Brasil com a maior potência econômica do mundo oriental poderá quebrar esse círculo virtuoso (para o setor ruralista) experimentado ultimamente em nosso país. Prossegue o veículo jornalístico no seguinte entendimento: “Os negócios entre as duas maiores economias do mundo voltaram a ocorrer no fim de 2018, graças a uma trégua na guerra comercial, mas ainda em ritmo lento. Também favoreceram as exportações brasileiras uma safra histórica de cerca de 120 milhões de toneladas de soja” (Fonte: G1).
Não é demais lembrar que, em 2017, foi o setor agropecuário brasileiro o maior responsável pelo crescimento em 1% do PIB (seu crescimento de 13% correspondeu a 7/10 daquele 1%, alcançando o melhor resultado anual da série histórica iniciada em 1996).
Nesse contexto, é preciso atentar para os efeitos que advirão da orientação a ser adotada pelo atual Governo Federal em sua política internacional de aproximação com os Estados Unidos e Israel. Isto porque está muito claro que o governo Donald Trump vem ostensivamente tomando medidas protecionistas em favor do setor agrícola de seu país e não se deve esperar que irá permitir que o Brasil continue a se beneficiar da maré favorável às exportações de soja para a China em detrimento do agronegócio dos EUA. A China não se compadecerá com vacilações de seus aliados comerciais por conta de delírios ideológicos. Decisões tomadas de afogadilho, por razões puramente ideológicas e religiosas (turismo para Jerusalém por fiéis de igrejas neopentecostais) poderão ter um custo elevadíssimo para o setor ruralista brasileiro, sem que isso reverta em qualquer benefício para a proteção da biodiversidade ou para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Seria, sem dúvida, o pior cenário para o país.
* Guilherme José Purvin de Figueiredo é Coordenador Geral da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil
Fonte: EcoDebate