A morte de Lobinha na Serra da Canastra não pode ter sido em vão
* Maria Tereza Jorge Pádua
As coincidências da vida nos surpreendem e algumas vezes nos fazem sofrer. Fomos fazer um passeio que é sempre nosso predileto: visitar um parque nacional. O escolhido desta vez foi o da Serra da Canastra, em Minas Gerais. Éramos três engenheiros florestais e dois agrônomos.
Ficamos por lá apreciando e desfrutando das maravilhas do Cerrado. A visita foi um pouco frustrante, pois não vimos o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus).
Desta visita surgiram duas colunas publicadas no ((o))eco. Ambas advertiam sobre os impactos do uso indiscriminado das poderosas motocicletas dentro ou nos arredores do parque nacional. Alguns dias após a publicação das mesmas, surgia a notícia sobre o mesmo parque nacional e seus entorno com o título: A despedida de Lobinha, de autoria de Vandré Fonseca, com uma foto bem bonita da loba, morta no dia 14 de janeiro. E adivinha como? atropelada por uma motocicleta. Me deu uma indignação no momento.
A Lobinha fora reintroduzida na Serra da Canastra após muitas pesquisas e com o colar que daria informações sobre seus hábitos e comportamento. Detalhe: ela havia sido libertada em 2 de dezembro. Não completou seis semanas em liberdade.
Falar que pena, que tristeza, que azar, não interessa. Não vai trazer de volta a esperança dos pesquisadores e dos amantes do parque nacional em ter mais lobos que vem desaparecendo em todo Cerrado e muitas vezes, eu diria a maioria das vezes, por atropelamento.
Pensamos até no pior quando a notícia chegou: que foi proposital. Após a biopsia, tudo indica que se trata de um acidente, ocorrido às 04h30 da manhã.
Quanto se gastou de dinheiro e, principalmente, do esforço dos cientistas para realizar a façanha de reintroduzir lobos-guarás? quanto se torturou as emoções dos que faziam a pesquisa e agora a perderam por uma moto?
Quanto chorou a filhinha de Rogério Cunha de Paula, responsável pela pesquisa, a mesma criança que narrou dois vídeos sobre o projeto? Recomendo fortemente que os vejam. São maravilhosos.
A mensagem que passa sobre a importância do lobo para salvar o Cerrado é única. Um animal silvestre pode motivar governantes a salvar pedaços do Cerrado? Difícil. Mas a campanha conseguiu melhor ainda, que crianças entendam que cuidar do lobo é bom para a humanidade.
Frequentadores de parques nacionais, tanto aqui como em outros países, odeiam em geral as regras restritas de visitação. Por exemplo, meu marido e eu nos rebelamos com os “guias”. Muitas vezes queremos visitar áreas protegidas sem precisar contratar um, mas as regras são para todos.
Para contribuir para a conservação da natureza é melhor deixar o comodismo de lado ou as motocicletas, no caso do exemplo aqui citado. As regras baseadas em pesquisas científicas de manejo têm de ser obedecidas.
Todo mundo pode andar de moto nas estradas, pode se banhar em algumas cachoeiras, pode fazer trilhas, ou birdwatching dentro ou nos arredores do parque nacional que protege, além do lobo-guará, as nascentes do rio São Francisco. Façam proveito onde é permitido pelo plano de manejo, mas respeitem as regras onde diz que não pode.
Tomara que a morte da Lobinha não tenha sido em vão. Que alguns se comovam e ajudem Rogério, sua filha, o diretor do parque e todos nós a serem OBSTINADOS NA SALVAÇÃO DO CERRADO.
* Maria Tereza Jorge Pádua é Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e da comissão mundial de Parques Nacionais da UICN.
Fonte: O Eco