Quero ser defensora pública dos bichos
*Maria Tereza Jorge Pádua
Estes dias voltei com amigos ao Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais. Que passeio maravilhoso. Região belíssima onde, em teoria, poderíamos apreciar a natureza com seus belos animais silvestres. Infelizmente, a passagem de bandos de motoqueiros atrapalhava a aproximação de qualquer bicho, além de provocarem erosões abrindo novas trilhas a ferro e fogo. Os motoqueiros em si eram gentis, mas a passagem de suas máquinas dava medo e tirava a paz da visita.
Após três dias passeando pelo Serra da Canastra, não vimos qualquer dos animais típicos do Cerrado. Não avistamos bichos grandes como tatu-canastra, lobo-guará, onça-parda e tamanduá-bandeira. Será que eles se refugiaram em outras áreas da mata atlântica, já antecipando mais barulho ainda nos feriados de Carnaval que se avizinham? Pôxa. Ao fim do passeio, vislumbrar algumas aves nos consolou, em especial o notável urubu-rei ou Sarcoramphus papa.
Esse vazio de animais silvestres justifica o crescente uso do termo “florestas vazias”, fenômeno que está se tornando comum em áreas protegidas tropicais, inclusive no magnífico bioma do Cerrado.
Quase cinquentão
Estabelecido em 1972, o Parque Nacional da Serra da Canastra foi proposto e delimitado sob a batuta de José Cândido de Melo Carvalho, penta-atleta e ilustre professor doutor, especialista em mirídeos, bichos que não são vistos em passeios rápidos. Entre outros cargos, ele foi diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro e presidente da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza, no Brasil, a primeira ONG dedicada à conservação, criada em 1958.
Quando criado, há 45 anos, a maior atração e valor ambiental do Serra da Canastra era conter as nascentes do rio São Francisco e do rio Grande, entre outros menores, além da sua beleza cênica como sói acontecer.
A atividade econômica mais expressiva e destruidora dos recursos naturais na região era a mineração, embora a pecuária fosse importante.
Querido por uns e detestado por outros, o Serra da Canastra resiste, a despeito dos sérios problemas de regularização fundiária – apenas 30% de sua extensão foi regularizada -, dos incêndios, da caça e pesca ilegais, falta de pessoal, etc., mazelas comuns aos nossos parques.
Sou candidata
Por isso, neste ano de eleição, quero lançar minha candidatura a um novo cargo: super protetora dos animais do Parque Nacional da Serra da Canastra. Aproveito desde já para pedir apoio a amigos leais, de cientistas e de especialistas em manejo, pois de achismos estamos fartos. Gostaria ainda do apoio de minha norinha, que é defensora pública e ama os bichos. Se eu for eleita, prometo usar os superpoderes que esse cargo imaginário vai me outorgar. Sobrevoarei o parque todos os dias para proteger os animais e impedir toda a sorte de irregularidades que encontrar dentro dele.
Nesta ambição, respondo a um apelo que me fez Paulo Nogueira Neto há uns 40 anos, quando virou-se para um tucano e um cágado que perambulavam pela sua fazenda: “eis aqui a defensora de vocês”. Aceitei o termo no ato, pois defender bichos silvestres de áreas de Paulo Nogueira Neto é tarefa fácil.
Proteger ou perder
Brincadeiras à parte, o país precisa decidir: quer ou não proteger sua fauna silvestre? Ou quer preservar somente cães e gatos de estimação?
Criar unidades de conservação é sempre um processo caro, doloroso e antipático. Ninguém quer. Mantê-las, tampouco é popular ou simples. Ao menor descuido, são usadas para construir hidroelétricas, estradas, assentar populações ditas tradicionais, e até mesmo para turismo predatório. São terras de ninguém, com raras exceções.
Entretanto, sem elas, no mundo de hoje a fauna não poderia sequer existir, pois faltariam aos animais desde comida até local para manter populações razoáveis e estáveis. Sem áreas protegidas a fauna se extinguiria, como ocorre em ambientes alterados ou mesmo, para espécies mais exigentes, em ambientes que começam a ser prejudicados.
É frustrante visitar um Parque Nacional espetacular, como o Serra da Canastra, e não lograr avistar animais típicos do Cerrado, enquanto, por exemplo, no Parque Nacional das Emas, eles ainda são fáceis de encontrar.
As razões desses desaparecimentos são ainda mais frustrantes e não resisto a colocar uma série de perguntas urgentes.
Décadas depois de sua criação, por que até hoje este parque mineiro não foi regularizado, mesmo contendo as nascentes do São Francisco, rio da integridade nacional?
Por que as pesquisas lá realizadas, como as do lobo-guará, do tatu-canastra ou do pato-mergulhão, espécies ameaçadas de extinção, foram ignoradas pelos seus guardiões públicos e não influíram em seu adequado manejo?
Por que não se guarda adequadamente este tesouro natural, se a economia de pequenas cidades vizinhas já depende do turismo que o Serra da Canastra gera, como é o caso de Delfinópolis e São Roque de Minas?
Por que é tão raro ver um guarda, um aviso, uma trilha interpretativa? Fácil de encontrar são os motoqueiros abrindo novas rotas e provocando erosões.
Por que até pousadas razoáveis não sabem a razão da existência do parque e de suas regras?
Por que pousadas não são chamadas a colaborar com o manejo adequado e a administração do Serra da Canastra?
Penso que todos essas questões ficam bem resumidas em uma só resposta: falta educação ambiental porque falta educação em geral. Gastam-se bilhões de reais na construção de estádios para se hospedar uma Copa do Mundo de futebol, e, após o evento, eles ficam vazios. Enquanto isso, as áreas protegidas estão abandonadas à própria sorte, alguma já próximas do seu fim.
*Maria Tereza Jorge Pádua é engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e da comissão mundial de Parques Nacionais da UICN
Fonte: O Eco