Opinião

O mundo teria déficit ambiental mesmo eliminando os países ricos

*José Eustáquio Diniz Alves

O mundo passou por uma grande transformação desde o início da Revolução Industrial e Energética que teve início no último quartel do século XVIII. Nos 240 anos entre 1776 e 2016, a população mundial passou de cerca de 800 milhões de habitantes para 7,4 bilhões. Foi um crescimento de quase 9 vezes. Mas no mesmo período, a economia global cresceu cerca de 121 vezes. A renda per capita cresceu 13 vezes, superando todos os recordes históricos. Segundo Angus Maddison, a esperança de vida ao nascer do mundo era de cerca de 25 anos em 1800 e chegou a 70 anos no quinquênio 2010-15. Portanto, houve um grande progresso da civilização e um aumento significativo do padrão de vida da humanidade.

Mas o sucesso humano aconteceu em função do retrocesso do meio ambiente, pois é impossível manter o crescimento das atividades antrópicas no fluxo metabólico entrópico. O fato é que a presença humana já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta, conforme mostram os dados da Footprint Network.

A Pegada Ecológica é uma metodologia que mede o impacto humano sobre as áreas terrestres e aquáticas, consideradas biologicamente produtivas e necessárias à disponibilização de recursos ecológicos e serviços, como alimentos, fibras, madeira, terreno para construção e para a absorção do dióxido de carbono (CO2) emitido pela combustão de combustíveis fósseis etc. A biocapacidade mede a quantidade de área biologicamente produtiva – zona de cultivo, pasto, floresta e pesca – disponível para responder às necessidades da humanidade.

A tabela acima mostra que a população mundial era de 7,08 bilhões de habitantes em 2012 e tinha uma pegada ecológica per capita de 2,84 hectares globais (gha) e uma biocapacidade de 1,7 gha. No total, a pegada ecológica mundial era de 20,1 bilhões de gha e a biocapacidade total era de 12,5 bilhões de gha. O déficit ecológico era de 7,9 bilhões de gha em 2012.

A pegada ecológica per capita dos países de alta renda (desenvolvidos) foi de 6,2 gha, em 2012, para uma população de 1,1 bilhão de habitantes, o que representava uma pegada total de 6,8 bilhões de gha. A biocapacidade per capita era de 3,2 gha e um montante de 3,5 bilhões de gha. Portanto, os países de alta renda tinham um déficit ecológico de 3,3 bilhões de gha. Os países ricos tinham cerca de 15% da população mundial, mas eram responsáveis por aproximadamente 42% do déficit ecológico total.

Sem dúvida, o alto consumo dos países desenvolvidos pressiona a pegada ecológica do mundo. Mas mesmo numa situação hipotética de eliminação destes países ricos da contabilidade ambiental, o mundo continuaria numa situação de déficit, mesmo que menor, de 3,9 bilhões de hectares globais (gha).

Portanto, mesmo eliminando os países ricos do cálculo da Pegada Ecológica mundial as atividades antrópicas do resto da população do globo continuam superiores à capacidade de regeneração da biosfera. Os cálculos acima não tiram as responsabilidades dos países desenvolvidos como os maiores poluidores do Planeta. Apenas mostram a real dimensão dos problemas causados pelos tamanhos do consumo e da população.

É compreensível que as populações dos países pobres aspirem níveis mais elevados de desenvolvimento e consumo. Mas reproduzir o modelo dos países ricos e poluidores seria um desastre total. Também é compreensível que as camadas populacionais excluídas do mundo lutem por melhores escolas, hospitais, transporte público, lazer, etc. Mas não é aceitável e nem viável se promover o desenvolvimento humano às custas do empobrecimento do Planeta e da biodiversidade.

O fato é que as populações dos países ricos consomem além de qualquer medida de sustentabilidade e os países em desenvolvimento, mesmo com um nível de consumo menor, possuem um tamanho de população que faz elevar o déficit ecológico. A única forma de equacionar o dilema da insustentabilidade global é caminhar para um mundo com menos gente, menos consumo, menor desigualdade social e maior qualidade de vida humana e ambiental.

Por isto, o livro Enough is Enough (2010), com prefácio de Herman Daly, diz: "We need smaller footprints, but we also need fewer feet" ("Precisamos pegadas menores, mas também precisamos de menor número de pés", p. 12).

Como mostrou Charles St. Pierre (16/11/2016), tratando da armadilha do crescimento, todo sistema econômico e todo sistema auto-organizado que não se autolimita dentro das fronteiras estabelecidas pelo seu meio ambiente, cresce até exceder a capacidade do ecossistema para apoiá-lo e sustentá-lo. Em seguida, ele colapsa. O colapso da economia moderna pode ser catastrófico.

*José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate